2008-02-28

Desfazendo equívocos III

Ainda no artigo de Ângela Rodrigues e Helena Peralta disponível na página da DGRHE, a propósito do que se passa noutros países que normalmente são tomados como referência quando o governo nos quer impor reformas políticas, pode ler-se o seguinte:
«...considerando os princípios europeus aplicados às competências e qualificações dos professores, a concepção prevalecente parece ser a de abandonar as perspectivas mais tradicionais de avaliação de professores centradas na verificação da presença/ausência dos requisitos mínimos para exercer a actividade docente, aproximando-se de perspectivas cuja intenção de base é a de colocar a avaliação ao serviço do desenvolvimento do professor e, consequentemente, da escola e dos seus alunos.»
Parece tratar-se da perspectiva formativa desde sempre reclamada pelos professores em relação aos modelos de avaliação docente, ao contrário da valorização da componente de distinção dos melhores tão enaltecida pelo governo.

Já quanto à construção dos instrumentos de avaliação as autoras consideram que se trata de um momento chave em todo o processo, o que pode induzir uma excessiva valorização dos instrumentos em si mesmos.
«Um mesmo instrumento de análise de uma aula, por exemplo, não deve ser aplicado a um professor em início de funções e a um professor experiente – seria reduzir a docência a um exercício técnico cuja qualidade seria a conformidade com um padrão rígido e pré fixado. O acto de ensino e a sua qualidade, sobretudo se pensarmos na heterogeneidade da população escolar e no desígnio de elevar o nível de qualificação de todos, dependem de um conjunto de variáveis complexas em número muito elevado, não sendo possível ocultar especificidades que, naturalmente, terão de estar configuradas nos objectivos do desempenho da escola e nos de cada professor e, operativamente, nos diferentes instrumentos de observação e análise do
desempenho docente.»
Mas estes são apenas alguns dos aspectos técnicos que desaconselhariam a pressa com que o ministério aplicou o diploma.

O mais grave diz respeito à não resolução das questões éticas basilares que, segundo Rodrigues e Peralta, não permitem que a avaliação do desempenho de cada professor seja feita de uma forma aceitável.
Nesse aspecto, a questão das percentagens máximas de menções excelente e muito bom, associadas à quota máxima de 30% de titulares assume um relevo enorme, uma vez que se coloca nas mãos e na consciência dos avaliadores a possibilidade de "reservarem" para si próprios a tal percentagem de menções classificativas que darão acesso a uma progressão mais rápida na carreira. E mesmo que o não façam, fica sempre a ideia de que existe uma grande dose de discricionaridade associada à atribuição dos 5% de excelentes ou dos 20% de muito bons.

Desfazendo equívocos II

Navegando no Portal do Ministério da Educação entra-se na página da DGRHE.

Aí chegados e seleccionando as novidades da avaliação de desempenho, podemos clicar no link "Textos de Apoio" que nos leva a um ensaio que tem por título “Algumas considerações a propósito da avaliação do desempenho dos professores” da autoria das investigadoras Ângela Rodrigues e Helena Peralta, ambas da Universidade de Lisboa.

Trata-se de uma reflexão sobre diversos aspectos a ter em conta na definição de um modelo de avaliação de professores e na respectiva aplicação, nomeadamente questões relacionadas com o contexto da avaliação, a profissionalidade e a avaliação docente.

As autoras interrogam-se sobre as marcas da profissionalidade docente, a forma como hoje se define um professor em Portugal e a procura de um referencial que relacione essa profissionalidade com a avaliação.

Assumindo tratar-se de um campo de estudo novo, Rodrigues e Peralta chamam a atenção para necessidade de ponderação e esclarecimento com base em quatro aspectos fundamentais:

Ÿ sabe-se pouco sobre o assunto (não temos campo empírico para observar os efeitos);

Ÿ pretende-se algo de muito substantivo e difícil de obter (uma boa educação para todos os alunos, para quem converge o trabalho profissional do professor);

Ÿ está-se a intervir num campo marcado por grande complexidade (o que implica conhecimento, ponderação e debate);

Ÿ não é aceitável que a avaliação do desempenho de cada professor seja feita sem acautelar questões éticas basilares.”

Dessa forma, o conselho que deixam é de que “antes de transformar o processo de avaliação do desempenho do professor num exercício de ansiedade e de conflituosidade exagerada, antes de o tornar num campo de disputa técnica centrado na discussão sobre os meios, nomeadamente os instrumentos e sobre quem os deve construir, o devemos ponderar relativamente aos seus fins.

Acrescentam ainda uma sugestão que é a da utilização da avaliação por portefólio profissional, que consideram poder promover e sustentar a análise e reflexão contínuas da prática de cada docente em cada escola ao longo da sua carreira profissional como forma elevada e profissional de fazer a avaliação do desempenho.

Embora constatando a existência de um consenso geral sobre a necessidade de avaliação, do qual não afastam os professores, as autoras alertam para o facto de esse consenso desaparecer quando se trata de criar e por em prática um sistema de avaliação que seja apropriado à avaliação de duas dimensões consideradas – a do professor enquanto profissional e enquanto técnico ou funcionário, uma vez que o campo dos conceitos não é preciso nem claro, abundando aí a ambiguidade e a polissemia.

Porque os pressupostos de natureza técnica, científica, pedagógica e política são muito variados, o ponto de vista a partir do qual se discursa ou se age no domínio da avaliação do desempenho determina o olhar de quem avalia. Daí que a ausência de consensos quando se fala de avaliação de desempenho do professor não provenha quase nunca de questões de natureza técnica, mas de não existir um ponto de vista comum sobre o objecto que se pretende avaliar.

Este é sem dúvida um tópico de reflexão que ajuda a perceber as divergências profundas que existem entre os professores e o ministério, sobretudo se se considerar que as finalidades da avaliação, do ponto de vista governamental, estão sobretudo relacionadas com questões de carreira e respectivo desenvolvimento, enquanto toda a retórica aponta para uma dimensão formativa da avaliação que possa traduzir-se na efectiva melhoria do trabalho docente

2008-02-26

Desfazendo equívocos

Nos últimos dias temos vindo a assistir a um esforço hercúleo da ministra da Educação e dos seus secretários de Estado, no sentido de desfazerem aquilo a que chamam «alguns equívocos existentes à volta das políticas públicas que têm vindo a ser desenvolvidas».

Segundo o novo discurso, as dificuldades que as escolas estão a sentir para aplicar quase todas as medidas decididas na 5 de Outubro, ficariam a dever-se a uma incapacidade dos professores compreenderem o alcance das mesmas. Nessa linha, a equipa ministerial afirma que o trabalho desenvolvido tem como pano de fundo um enorme carinho e respeito pela função docente, visando essencialmente a dignificação da carreira e o prestígio da Escola Pública e dos seus professores.
A opinião publicada veicula a ideia, a opinião pública acredita e mais uma vez quem fica mal na fotografia são os professores que, ou são uns ingratos que não reconhecem o enorme esforço do ministério, ou são uns ignorantes que não conseguem compreender o que lhes é tão claramente explicado.

Sendo assim só nos resta fazer o mesmo tipo de percurso e também nós professores passarmos a desfazer alguns equívocos.

O primeiro diz respeito à existência ou não de um clima de pressão sobre a Escola Pública e os professores, exercida em especial pelo governo, ao qual acaba por se juntar a generalidade da opinião pública.

A opinião de um reputado investigador de temas relacionados com a Educação e com a profissionalidade docente, como é o caso do professor António Nóvoa reitor da UL, é de que os professores estão hoje submetidos a um conjunto de pressões sociais e políticas, que põem em causa a sua própria identidade profissional. E aponta, como exemplo desse facto, três processos contraditórios:

  • Em primeiro lugar, a existência de um controlo mais apertado sobre o trabalho docente, devido a uma maior visibilidade pública dos professores e a um reforço dos dispositivos institucionais de avaliação, o que contradiz a retórica corrente sobre a autonomia profissional.
  • Em segundo lugar, a desvalorização efectiva dos professores, sobretudo no que diz respeito às suas condições de trabalho, originada em grande medida pelas políticas economicistas dos últimos anos, o que contradiz a retórica sobre a melhoria do estatuto e do prestígio profissional.
  • Em terceiro lugar, a intensificação do trabalho docente, no quadro das perspectivas de racionalização do ensino, que dificulta a partilha de experiências e a reflexão colectiva sobre a acção pedagógica, o que contradiz a retórica dos professores como profissionais reflexivos.

Outro equívoco está relacionado com o tema da avaliação dos professores, sendo repetidamente afirmado pelo governo que os professores não querem ser avaliados, porque não aceitam como bom o sistema de quotas para distinguir os melhores, nem reconhecem a todos os titulares a competência necessária para avaliar os seus pares.

Neste caso trata-se de requintada demagogia, uma vez que a argumentação aduzida pelo ME mistura coisas que não se podem misturar, a saber:

  • A propósito das quotas o ME afirma que tem que haver distinção como em todas as outras carreiras da função pública. Esquece neste caso a especificidade da função docente, porque o trabalho dos professores precisa de ser um trabalho de cooperação inter-pares para benefício dos alunos. Ao colocar a tónica do modelo de avaliação na distinção de um pequeno número de melhores, o que o ME faz é aceitar que os professores não precisam de trabalhar para a excelência. O que não deixa de ser notável num país que precisa de valorizar ao máximo os seus recursos humanos, a menos que se contente com um estatuto inferior no concerto das nações.
  • Relativamente ao reconhecimento ou não de qualificação dos titulares para avaliarem os seus pares, tal facto decorre do processo iníquo e pouco claro em que ocorreu o concurso para professores titulares. Se é verdade que entre os trinta e tal mil titulares existem muitos professores com experiência profissional e dedicação à Escola ao longo de muitos anos, também é verdade que ficaram de fora muitos outros professores tão ou mais qualificados. Acresce que a maioria dos titulares não têm formação em supervisão pedagógica e o ME quer obrigá-los a exercer essas funções sem lhes dar tempo e meios para fazer a sua formação.

Tudo isto decorre de uma divisão da carreira em dois níveis, porque o governo não teve a coragem e a visão de criar uma carreira de administração e gestão escolar paralela à carreira docente. De resto a confusão é total quando se cruzam os normativos sobre a avaliação de professores e sobre a gestão escolar. A tal ponto que se exige que todos os avaliadores menos um sejam titulares.
Só que esse um que pode não ser titular, podendo pois não corresponder ao perfil de um professor com maior responsabilidade no âmbito da coordenação, supervisão pedagógica e avaliação do desempenho dos restantes professores, com repercussão na organização das escolas e no trabalho colectivo dos docentes, é tão só o director da Escola e, por inerência, o presidente do órgão de coordenação e assessoria pedagógica.

2008-02-25

Associação de Professores

Assinada por um dos membros da mesa que presidiu à Assembleia de Professores nas Caldas da Rainha, fica a mensagem que foi enviada aos membros da recém criada associação


Caros colegas,

Na reunião do dia 23, nas Caldas da Rainha, a nossa associação passou a ser uma realidade. Os dois nomes para os quais se inclinou a maioria dos professores presentes são: em primeiro lugar, Associação em Defesa do Ensino e, em segundo, Associação em Defesa da Educação. Teremos de ver se a primeira das designações será aceite na Conservatória do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Mas esse é apenas um pormenor. O importante é que aprovámos um programa de acção imaginativo, inovador nalgumas das suas iniciativas, potencialmente incómodo para o triunvirato que tem dominado o Ministério da Educação, e um desafio para todos nós, pois o seu sucesso depende do envolvimento de todos.

O polivalente da Escola Secundária Raul Proença, nas Caldas, conseguiu abarcar os cerca de 500 professores que vieram de regiões do país muito diversas. Estavam lá professores do Porto, de Famalicão, de Barcelos, de Braga, de Aveiro (nomeadamente os colegas que organizaram a vigília que foi objecto de notícia nos telejornais), de muitas zonas do centro, de Lisboa, de Sintra, da Amadora, de várias terras da margem sul e até do Alentejo. Isto indica que, sem estruturas sofisticadas e sem apoios especiais, conseguimos criar uma rede de vontades.

A reunião foi longa, cerca de quatro horas, já que a ordem de trabalhos era extensa e exigente. Os debates foram genuínos, intensos e muito participados. Futuramente, teremos de fazer um esforço para conciliar a espontaneidade da democracia participativa com a necessidade de um maior rigor organizativo – um compromisso de que carecemos, pois ainda estamos a (re)aprender a cidadania, da qual temos andado alienados durante todos estes anos em que a apatia colectiva se foi instalando entre nós como uma gangrena que destrói o próprio cerne da democracia.

O nosso movimento, bem como outros que estão a irromper no país, é uma realidade sociológica nova, conforme o Paulo Guinote sublinhou no seu blogue (www.educar.wordpress.com). Num país com uma sociedade civil tradicionalmente passiva e inerte e com uma fraquíssima capacidade de auto-organização dos cidadãos, entregue a poderosos interesses oligárquicos, é de aplaudir a emergência de movimentos que não estão a nascer de agendas partidárias e que se constituem para aprofundar a defesa de valores: o valor da escola pública, com um ensino inclusivo mas exigente, o valor da docência enquanto condição para a transmissão intergeracional de saberes, o valor da dignidade profissional de quem tem consciência da sua centralidade no sistema educativo e de quem recusa ser um mero amanuense sujeito ao autoritarismo, arbitrário e autista, do Ministério da Educação.

Ganhámos já projecção mediática: fizemos notícia, os jornais e as rádios falaram de nós. Agora temos de continuar. Não podemos baixar os braços. O nosso objectivo não é simplesmente a demissão desta equipa ministerial. É, acima de tudo, a revogação total das suas políticas e do quadro legislativo que as sustenta. Se a ministra for demitida e essas políticas continuarem de pé, não conseguimos vitória alguma. Por isso, há que não ter ilusões: o combate vai ser duro e mais longo do que gostaríamos de imaginar. Mas, no fim, pode estar a diferença entre trabalharmos num ambiente opressivo e degradante ou trabalharmos num espaço onde nos sintamos motivados e realizados como profissionais.

Em breve vos enviaremos o programa de acção que foi aprovado – e que é sensivelmente idêntico à proposta que fizemos circular, com algumas alterações e adendas importantes sugeridas por diversos colegas. E está também para breve o anúncio do novo “site” da associação.

Quero aproveitar para agradecer a todos pela participação e pela força que têm dado a este movimento.

Mário Machaqueiro

Avaliação de Professores

Sobre a necessidade de avaliação dos professores há um consenso geral na sociedade portuguesa. Com um pouco de optimismo, pode até pensar-se que todos os portugueses acham necessária a avaliação dos professores.
Os professores portugueses fazem parte desse todo e há muito que sabem que não podem deixar de ser avaliados.

Há muitos anos que muitos professores reclamam pela existência de um sistema de avaliação que, para além de ter que ser justo e equilibrado, introduza factores de melhoria na qualidade do ensino. Por isso a maior parte dos professores não se revia no modelo de avaliação que estava em vigor, já que era um modelo acrítico e que não introduzia os tais factores de melhoria do serviço público educativo.
Infelizmente também o modelo agora em vigor, aprovado pelo DR 2/2008, é um modelo que não traz para o sistema educativo o acréscimo de qualidade educativa que se pode imaginar ao ouvir a retórica governamental. Por isso também não serve.

Neste ponto pode haver quem se questione: mas afinal nenhum modelo serve?!

Comecemos por ver porque é que cada um destes dois modelos não serve.
No caso do regime anterior a avaliação dependia exclusivamente da capacidade reflexiva e autocrítica do professor avaliado e da frequência de algumas acções de formação contínua que, mais do que para actualizar conhecimentos e práticas pedagógicas, servia para alimentar o negócio dos centros de formação. Nestas coisas, como em tudo na vida, havia directores de centros de formação muito honestos e exigentes e havia outros que ou eram incompetentes ou meros oportunistas. No primeiro caso as acções de formação serviam de facto para aperfeiçoar o trabalho lectivo dos docentes que as frequentavam, no segundo caso serviam apenas para progredir na carreira.
Apesar de não garantir uma efectiva melhoria do trabalho dos professores, o modelo anterior preservava no entanto um aspecto fundamental na vida das organizações escolares - o trabalho cooperativo entre docentes. Tal facto ficava a dever-se à circunstância de nenhum professor ver nos seus pares um concorrente e um impedimento à sua própria progressão na carreira.

No caso do modelo definido pelo DR 2/2008 pode verificar-se que houve uma tentativa de correcção do excessivo pendor auto-gestionário anterior, introduzindo para isso dois avaliadores externos (o coordenador e o presidente/director). Se a introdução desses elementos no processo pode ser pacífica, já a complexificação associada ao conjunto de parâmetros e objectivos a observar, acabam por trazer para o quotidiano escolar uma perturbação que não beneficia em nada o trabalho na sala de aula.
Se a este problema juntarmos ainda a questão das percentagens máximas de menções de muito bom e excelente, as quais influenciam o ritmo da progressão na carreira, deparamo-nos com um factor de concorrência entre pares, o qual acabará por prejudicar o trabalho cooperativo que é fundamental para um bom processo de ensino.

Resumindo, os professores querem um sistema de avaliação que os ajude a ensinar melhor, que permita que os alunos aprendam mais e melhor e que dignifique o ofício.
Mas como os professores não fazem o seu trabalho isoladamente e num ambiente virtual, exigem que a sua avaliação seja parte integrante da avaliação da organização a que pertencem. É preciso avaliar a organização no seu todo: os seus processos e os seus resultados. Sem conhecer os processos como as lideranças gerem os recursos humanos e materiais, os fluxos de informação,
as relações com o exterior da escola, não é possível definir metas e objectivos que sejam claros para os professores, para os funcionários e para os alunos.
Desse ponto de vista um bom modelo de avaliação de professores é um modelo que faça parte integrante da avaliação da escola. É um modelo que tem que ser essencialmente formativo e só acessoriamente pode ser constrangedor do desenvolvimento da carreira.

Se o País quer ter um Ensino Público de Qualidade, se quer que os cidadãos sejam formados para a excelência e para padrões de referência que permitam competir no exterior, é ridículo que o governo se conforme em não ter professores muito bons e excelentes. É inadmissível que a ministra da Educação defina à partida que quer ter 70% de professores que não passam da mediania.

Tudo isto é demasiado pobre e triste!

2008-02-24

Perdoa-lhe Senhor, que ele não sabe o que faz!

O secretário de Estado Valter Lemos produziu na sexta feira mais uma das suas já famosas peças legislativas, desta vez sobre a avaliação de professores.
Tal como as anteriores, o caminho desta tem que ser o da suspensão de eficácia através de medida cautelar a decretar pelos tribunais.

É que entre outras "espertezas" sobre as quais já se debruçou JMAlves no seu blogue, o senhor secretário de Estado pretende legitimar através do seu despacho a alteração dos regulamentos internos imposta às escolas pelo fórum da DGRHE. Isto é, num primeiro momento um incógnito burocrata, que modera um fórum informativo das escolas, induz os respectivos órgãos de gestão a alterarem ilegalmente a composição dos departamentos e da conselho pedagógico, usando para isso um anexo de um decreto regulamentar (200/2007) e atribuindo-lhe poderes de revogação de um decreto lei (115-A/98). Percebida a armadilha, e uma vez que em muitas escolas a "ordem" não foi cumprida, o secretário de Estado repesca o tal anexo e vem introduzí-lo no seu despacho, dando a tal "dignidade revogatória" implicita, muito embora não tenha tido o descaramento de o afirmar explicitamente. Provavelmente, tal como Mário Assis Ferreira explicou em tempos ao ex-ministro Telmo Correia a propósito do caso do casino, o senhor está à espera que a coisa passe despercebida.

Tudo isto só por si já é triste e lamentável. Acontece, ainda por cima, que a ser levada à letra a orientação do senhor secretário de Estado, os disparates que a imposição de tal anexo trazem para o seio dos departamentos demonstram o ridículo da pretensão e a impreparação de quem assim legisla.
Para exemplificar o que afirmo vou contar o que tem acontecido a dois amigos meus que trabalham numa das escolas que está sempre um passo à frente do ministério:

O F. pertence ao grupo de recrutamento 530 - Educação Tecnológica. Como a sua formação inicial foi feita em engenharia electrotécnica, quando se efectivou numa escola foi no antigo grupo 12º-B ao qual ficou vinculado;
O C. também pertence ao grupo de recrutamento 530 - Educação Tecnológica e a sua formação inicial também foi feita em engenharia electrotécnica. Só que ao contrário do F., efectivou-se no grupo de Educação Visual e Tecnológica do 2º ciclo.
Como na escola deles o conselho pedagógico decidiu ilegalmente reformular-se sem alterar o regulamento interno, embora os dois dêem aulas no departamento de Educação Artística e Tecnológica, desde há um mês que o F., que até é o responsável pela aquisição dos materiais deste departamento, passou a reunir-se com o departamento de Matemática e Ciências Experimentais e vai ter as suas aulas observadas por uma professora com formação em Farmácia ou Química. Já o C. foi integrado no departamento de Expressões e agora tem que se reunir quando os professores de Educação Física precisam de aprovar o regulamento para os torneios inter-turmas da semana da Educação Física. Tem sorte o meu amigo C., porque a sua avaliadora é também da área artística, embora a sorte não seja total, uma vez que a sua formação não é exctamente na área tecnológica, mas sim na música.

2008-02-23

A reunião das Caldas

Algumas centenas de professores reuniram-se hoje nas Caldas da Rainha, na sequência de vários encontros presenciais que têm ocorrido desde Janeiro e de muitos encontros na rede, seja através de emails, de blogues e/ou de fóruns em que participam professores.

Como se poderia esperar que acontecesse, começaram ainda antes da assembleia algumas acções que revelam, ou uma vontade expressa de desinformar, ou a necessidade de escrever sobre o que não se sabe. Um dos exemplos pode encontrar-se no título de uma notícia de hoje do Expresso: Professores contra governo e sindicatos. Como pôde verificar quem esteve na reunião (poderiam ter lá estado jornalistas que quisessem investigar o assunto), ninguém teve qualquer palavra de hostilidade contra os sindicatos.


http://educar.wordpress.com/2008/02/23/e-muito-importante-passar-a-mensagem/


Esta reunião visou encontrar uma plataforma de acção capaz de congregar e potenciar o enorme descontentamento que dia a dia aumenta nas escolas do país.
A agenda, apesar de exigente, foi cumprida de acordo com as expectativas dos promotores da reunião. Reuniram-se professores oriundos de escolas de todo o país que, individualmente ou acompanhados por colegas das suas escolas, quiseram juntar a sua voz ao protesto.

Ficou claro desde o início da reunião que a associação tem apenas um verdadeiro inimigo: as políticas educativas desenvolvidas pelo governo, em particular as que prejudicam o direito dos professores a uma carreira e a uma avaliação promotora e indutora de maior qualidade do ensino, para além de terem como efeito a degradação do processo de ensino/aprendizagem e da certificação das aprendizagens escolares.
Todos os intervenientes na assembleia, que durou quase quatro horas, foram lapidares quanto ao posicionamento equidistante relativamente a partidos e a sindicatos.
Da mesma forma ficou também claro que a associação e respectivos sócios se revêm numa acção em que se pretendem somar esforços e não dividir professores. Nesse sentido foram feitas diversas declarações de adesão a toda e qualquer manifestação que vise lutar contra as políticas educativas deste governo, independentemente de os seus promotores serem sindicatos ou outras organizações de professores.

Quanto às deliberações da assembleia, a mesa que dirigiu a reunião irá divulgá-las brevemente, para o que criará um site com um fórum interactivo em que os sócios poderão participar.

2008-02-22

Sócrates, as Políticas Públicas de Educação, os Professores e o "bullying"

O "bullying" é um termo de origem inglesa utilizado para descrever actos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully) ou um grupo com o objectivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo) incapaz/es de se defender. A palavra "bully" significa "valentão".
Pode ocorrer em situações envolvendo a escola ou faculdade/universidade, o local de trabalho, os vizinhos e até mesmo países. Qualquer que seja a situação, a estrutura de poder é tipicamente evidente entre o agressor (bully) e a vítima.
Pesquisas indicam que adultos agressores têm personalidades autoritárias, combinadas com uma forte necessidade de controlar ou dominar. Também tem sido sugerido que um défice em habilidades sociais e um ponto de vista preconceituoso sobre subordinados podem ser factores de risco. É frequentemente sugerido que os comportamentos agressivos têm origem durante a infância.
Os bullies usam uma combinação de intimidação e humilhação, como insultos, ameaças, chantagem, acusações, ataques físicos, rumores negativos sobre a vítima. Podem, ainda, usar tecnologias de informação para praticar o cyberbullying (criar páginas falsas sobre a vítima em sites de relacionamento, publicação de fotos etc). Em alguns casos, o bully dá alcunhas com base em características que a vítima não quer que sejam alardeadas.

Esta definição de
"bullying" é algo que encaixa perfeitamente no relacionamento que tem vindo a ser posto em prática pelo governo de Sócrates, desde que chegou ao poder, em relação aos diferentes grupos sociais que resolveu afrontar. Como é o caso dos professores.

Umas vezes o 1º ministro directamente, outras vezes a ministra ou os secretários de Estado da Educação, todos eles têm combinado processos de intimidação e de humilhação dos professores, ameaçando, chantageando, acusando e promovendo rumores negativos sobre a classe docente no seu todo, ou sobre alguns dos seus membros mais activos na contestação às políticas educativas.

A propósito da avaliação dos professores a acusação é de que não querem ser avaliados e que há trinta anos que não existe avaliação de desempenho docente.
A propósito da gestão escolar é a ameaça de que o director será o "líder forte" que vai por ordem na escola, cumprindo as orientações tutelares do director regional de educação, ao mesmo tempo que a comunidade fiscalizará os resultados.
Finalmente, quando ainda assim algum professor relapso não se deixa dominar pelo medo e afronta o "valentão", eis que este utiliza o último argumento que é o do rumor negativo, fazendo acusações de que se trata de algum perigoso comunista ou sindicalista vermelho.

Face a este estilo, tal como no caso do
"bullying" praticado entre crianças e jovens, a solução para acabar com o mal é não ter medo e confrontar o "bully" com o seu défice em habilidades sociais, com a sua maldade e com o seu olhar preconceituoso.

Nos últimos três anos os professores têm sido um grupo incapaz de se defender. É possível enumerar diversos factores que levaram a essa espécie de paralisia, entre os quais se destaca uma fraca mobilização e solidariedade entre pares.
Mas também convém não esquecer a utilização, feita pelo ministério, de um grupo de membros da classe - os gestores escolares - para aplicar as medidas mais gravosas no interior de cada escola.
É por isso que ao enfrentar o "bullying" ministerial se torna imprescindível, por um lado, afrontar os gestores escolares que actuam como delegados do governo e, por outro, conquistar para o combate ao medo os gestores que ainda não se esqueceram de que são professores, antes de serem gestores.

2008-02-18

Vejam lá se entendem!!!

Num dia o governo, através do ministério da educação, acha que os problemas do país e em particular os da educação ficam bem entregues na mão dos autarcas portugueses:

O dossier da transferência de competências da Administração Central para as autarquias na área da Educação está fechado, disse hoje à agência Lusa o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Fernando Ruas.

O diploma do Governo, que está para aprovação em Conselho de Ministros, transfere para os municípios o pessoal não docente do ensino básico e da educação pré-escolar e a gestão do parque escolar nos 2º e 3º ciclos do ensino básico, entre outras competências.
O Governo abre também a possibilidade de as autarquias virem a gerir a contratação e colocação de professores, disponibilizando-se para contratualizar com os municípios interessados a transferência dessa competência, através de projectos-piloto.
«Havendo escolas e havendo autarquias disponíveis para essa experiência, o Ministério da Educação contratualizará os termos em que essa transferência pode ser feita», afirmou a ministra em entrevista à Agência Lusa, explicando que está em causa «tudo o que respeita ao recrutamento, gestão e colocação de professores».
O presidente da Câmara de Tavira, o social-democrata Macário Correia, prontificou-se já para que a sua autarquia integre um projecto-piloto de gestão municipal de professores em escolas do Ensino Básico.
Em carta enviada à ministra da Educação, a que a Lusa teve acesso, o autarca oferece-se para acolher a gestão de pessoal docente «em experiências a encetar», manifestando a «total disponibilidade» do município para «assumir integralmente essa responsabilidade».


Uns dias mais tarde, o mesmo governo, desta vez através do ministério do ambiente, acha que os autarcas são os culpados das cheias que inundaram Lisboa e arredores:

Nunes Correia responsabiliza autarquias pelas cheias
O Ministério do Ambiente responsabilizou hoje as autarquias pelas cheias e complicações de trânsito registadas durante a madrugada e manhã, na sequência das fortes chuvas, considerando que o ordenamento do território já não representa um sério problema em Portugal.


O SIADAP, as cotas e a melhoria do trabalho docente

Quando se fala de Avaliação é preciso ter em atenção os seguintes aspectos:
  • qualquer avaliação tem por base a comparação entre uma situação que é observada e um referencial que é desejado ou esperado;
  • a avaliação tem como objectivo verificar não só o desvio entre o observado e o desejado, mas sobretudo identificar os constrangimentos que impedem que se atinjam os objectivos, de forma a corrigir esses constrangimentos;
  • toda e qualquer actividade humana pode e deve ser avaliada;
  • o conceito de avaliação persegue objectivos formativos e cooperativos, ao contrário do conceito de classificação que persegue objectivos sancionatórios e competitivos.
Esclarecidos estes pontos torna-se mais fácil entender porque é que a transposição do SIADAP, e das suas quotas pretensamente meritocráticas, tem pouca ou nula aplicação à carreira docente, sobretudo quando a retórica aponta para um objectivo de melhoria da qualidade do ensino.
Se considerarmos que o trabalho docente tem que ser um trabalho cooperativo entre professores, a benefício dos seus alunos, não se devem introduzir mecanismos que induzem a concorrência e a competição, ao invés de estimular a cooperação e o apoio entre pares. Nesse sentido, definir à partida que apenas uma pequena quota em cada escola, em cada departamento, pode obter as menções classificativas mais elevadas, leva a que não exista qualquer vantagem em cooperar com os colegas, que passam a ser olhados como concorrentes pelo bem escasso que é a promoção na carreira.

A título exemplificativo imagine-se um titular do 8º escalão, a quem ainda faltam alguns anos para atingir o topo da carreira e a quem um professor mais novo solicita uma ajuda. Imagine-se que nesse departamento poderá haver uma quota para um Excelente e que alcançar essa classificação permitirá ao professor titular antecipar a subida de escalão já no próximo ano lectivo. Alguém achará mal que ele não forneça ao mais jovem toda a informação de que dispõe, garantindo assim a eliminação de um concorrente à atribuição do Excelente?
Em que é que isto contribui para a melhoria da qualidade do ensino? E das aprendizagens dos alunos? E para o progresso profissional do professor mais novo?

A avaliação dos docentes e das escolas

Aos poucos a opinião pública e a opinião que se publica começam a perceber que entre o discurso governativo sobre a educação e o que se passa e vai passar nas escolas vai um mundo de diferenças.
É claro que ainda subsiste em muitos espíritos a ideia de que o governo é que tem razão, apenas pelo facto de ser governo e por acusar os que o contrariam de serem uns tenebrosos corporativistas.

A este tipo de argumentação não faz falta uma reflexão sobre a fundamentação teórica e científica das decisões políticas. Decide-se porque se manda e isso basta.
O saber e o conhecimento são coisas que dão muito trabalho a conseguir, e nos tempos que correm nem sequer garantem um empregozito.

Apesar de saber isso penso que os professores não podem desistir da sua verdadeira missão, que é a de levar o conhecimento a quem não o tem.
Por isso não basta afirmar que somos contra o decreto lei que regulamenta a parte do estatuto da carreira docente relativa à avaliação dos professores. É fundamental explicar porque estamos contra e como pensamos que o processo se deve desenrolar.

Antes de mais, convém clarificar conceitos e explicar que o que nos afasta do DR 2/2008 é o facto de o seu objectivo ser o de classificar professores e não o de os avaliar.
Consultando qualquer dicionário da língua portuguesa encontraremos como sinónimos de avaliar os seguintes: determinar a valia ou o valor de; apreciar o merecimento de; aquilatar, reconhecer a força de, a grandeza de; estimar, prezar. Já como sinónimos de classificar encontraremos os seguintes: distribuir em classes; arrumar; ordenar; qualificar; determinar as categorias (de um conjunto); atribuir valores a.


Quem se der ao trabalho de ler o articulado do DR 2/2008 verificará que o que está em causa não é determinar a valia ou o valor de cada professor, apreciar o respectivo valor ou merecimento, mas sim distribuí-los em classes, arrumá-los, ordená-los. No fundo tudo acaba por ficar condensado no articulado seguinte:

Artigo 21 º - Sistema de classificação

1 — A avaliação de cada uma das componentes de classificação e respectivos subgrupos é feita nos termos do disposto no artigo 46.º do ECD.

2 — Sem prejuízo do disposto no n. º 5, o resultado final da avaliação do docente corresponde à classificação média das pontuações finais obtidas em cada uma das fichas de avaliação, e é expresso nas seguintes menções qualitativas:
Excelente — correspondendo a avaliação final de 9 a 10 valores;
Muito bom — de 8 a 8,9 valores;
Bom — de 6,5 a 7,9 valores;
Regular — de 5 a 6,4 valores;
Insuficiente — de 1 a 4,9 valores.

3 — As menções qualitativas referidas no número anterior correspondem ao grau de cumprimento dos objectivos fixados e ao nível de competência demonstrada na sua concretização, tendo em conta os princípios orientadores que forem formulados pelo conselho científico para a avaliação de professores para a definição dos respectivos padrões.

4 — A diferenciação dos desempenhos é garantida pela fixação de percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito bom e Excelente, por agrupamento de escolas ou escola não agrupada, mediante despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da Administração Pública, as quais terão obrigatoriamente por referência os resultados obtidos na respectiva avaliação externa.

5 — A atribuição da menção qualitativa de Excelente fica, em qualquer caso, dependente do cumprimento de 100 % do serviço lectivo distribuído em cada um dos anos escolares a que se reporta o período em avaliação.

6 — A apreciação do cômputo do serviço lectivo referido no número anterior é efectuada de acordo com o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo 46.º do ECD.

7 — Quando, para efeito da atribuição da menção de Excelente ou de Muito bom for necessário proceder ao desempate entre docentes que tenham a mesma menção qualitativa, relevam consecutivamente as avaliações obtidas nos parâmetros «Realização das actividades lectivas» e «Relação pedagógica com os alunos».


Como se verifica, todos os procedimentos que professores e avaliadores terão que desenvolver irão determinar a "arrumação" dos professores em cinco classes - Excelente, Muito Bom, Bom, Regular e Insuficiente. Sob o pretexto de uma avaliação do desempenho procura-se distribuir os professores em classes, de acordo com as quais se permitirá a sua progressão na carreira, se determinará a sua estagnação, ou até o seu despedimento. É a história da cenoura e do burro. No caso em que o burro não for suficientemente lesto a correr atrás da cenoura, ameaça-se com a vergastada do despedimento.
Só que este procedimento não garante que os alunos venham a aprender mais e melhor. Em primeiro lugar porque não fica garantida melhor formação profissional para os professores só com a aplicação deste diploma; em segundo lugar porque nada garante que um professor a quem não se renova o contrato seja substituído por outro mais competente, até porque o novo docente ainda terá que passar por um período probatório para determinar se está ou não apto para o desempenho das funções.

Isto leva-nos à substância da questão. As organizações são realidades complexas em que a eficiência dos processos e a eficácia na obtenção dos resultados não dependem de um só factor.
As escolas são organizações de uma complexidade ainda maior. Porque os processos que determinam os seus resultados dependem de muito factores como são as decisões de um conselho de administração (assembleia de escola/conselho geral), ou a qualidade da gestão quotidiana das políticas definidas, ou as expectativas dos seus alunos, dos pais e da comunidade e não apenas a qualidade científica e profissional dos seus docentes.

Em resumo, podemos dizer que a avaliação dos professores é necessária como componente da avaliação organizacional da Escola e não como forma de carimbar bons e maus professores. Só haverá utilidade em medir o desempenho dos professores se isso servir para determinar e corrigir os factores que os impedem de ensinar melhor. Tanto os factores de ordem pessoal (formação de base e formação contínua) como os factores organizacionais (qualidade das instalações e equipamentos escolares, qualidade da gestão, qualidade da regulação local, da regulação intermédia e da regulação nacional da educação).

Direito à Indignação

Agora, que a poeira começa a assentar, parece ser tempo de olhar o que aconteceu no sábado à tarde no largo do Rato.

Segundo o relato dos jornais, perto de duas centenas de professores aguardaram que o primeiro ministro e a equipa ministerial da educação chegassem a uma reunião na sede do partido socialista, para lhes mostrar o seu desagrado e oposição em relação às políticas educativas do governo.
Ainda de acordo com os jornais, os presentes foram avisados através de sms's, não se conhecendo a origem da convocatória.
Entretanto, o primeiro ministro, manifestamente incomodado com o sucedido, reuniu à sua volta os jornalistas presentes para lhes manifestar repulsa pela manifestação. Aproveitou para acusar os manifestantes de serem militantes partidários, não se eximindo a afirmar que os conhecia muito bem.
Curiosamente, nenhum jornalista lhe perguntou como os conseguia identificar e com que fundamento afirmava que eram militantes partidários, não exigindo ao responsável do governo que assumisse o ónus da prova de tal afirmação.

Mas voltemos ao essencial da questão.

O partido socialista afirma que a reunião era um encontro partidário (dando a entender que não entendia que tivesse sido publicitada a sua realização) e que os manifestantes pretendiam condicionar a actividade política do partido.
No entanto, durante todo o dia de sexta feira a reunião foi anunciada pelos diversos órgãos de comunicação social e apresentada como uma tentativa do primeiro ministro tomar em mãos a direcção do processo de reformas na educação, em virtude das dificuldades que a equipa ministerial tem sentido. Fez-se mesmo um paralelo com o ocorrido há algumas semanas, no caso de Correia de Campos.
Estas notícias, provavelmente preparadas pelos "spin" governativos, destinavam-se a mostrar à opinião pública que o governo está atento e preocupado com a Educação. Como de resto se pode perceber pela sucessão de entrevistas que a ministra da educação foi concedendo ao longo da última semana e que culminou com a edição do Expresso da Meia Noite, anterior à dita "reunião partidária".
Isto demonstra que, ao contrário do que se quer fazer crer, a divulgação da reunião foi feita intencionalmente pelo partido socialista, procurando desse modo ganhos políticos e de imagem. O que é legítimo, mas explica naturalmente como é que todos os portugueses souberam da reunião.

O que correu mal, porque não estava nas previsões dos "spin" governativos, foi que entretanto no país muitos portugueses, entre os quais muitos professores, estão fartos de se sentirem mal representados, ou não representados de todo, pelas organizações que em democracia representativa se supõe que tenham essa missão. De tal forma que resolveram auto-organizar-se e dessa forma escaparam ao controlo de sindicatos e partidos.

Foi neste ponto que o partido socialista voltou a mostrar a sua natureza e o seu espírito pouco tolerante. O primeiro ministro e o porta voz socialista decidiram chamar uma série de nomes aos manifestantes, procurando negar-lhes o direito ao exercício da cidadania e o direito à indignação, afirmando não acreditar na convocatória espontânea.
Claro que se esqueceram convenientemente de como aplaudiram as manifestações espontâneas que em Madrid reuniram dezenas de milhar de manifestantes e levaram ao poder os seus confrades socialistas espanhóis. Talvez porque tenham dos portugueses a ideia de que se trata de um povo sem fibra.
Desta vez vão enganar-se redondamente.

2008-02-12

Defende a Profissão

Do blogue Defende a Profissão retirei este post:


Próximas Acções do Núcleo de Sintra…

10 02 2008

DIA 23 VAMOS TODOS ÀS CALDAS DA RAINHA…

No dia 23 de Fevereiro (sábado) temos que ir todos às Caldas da Rainha. Vai-se realizar a Assembleia-Geral onde se vão discutir e aprovar os estatutos, o programa de acção e os corpos dirigentes de uma organização nacional de professores….

Participa….

Saída de Sintra: 8h50 - Escola D. Carlos I

Chegada a Sintra: 17h30 - Escola D. Carlos I

RESERVA O TEU LUGAR NO AUTOCARRO…
Envia um e-mail para: mariomendes@yahoo.com

¤

Próximas Acções do Núcleo de Sintra:

  • Organizar a ida dos colegas às Caldas da Rainha (Aluguer de autocarro);
  • Recolha de contactos para a divulgação das informações das nossas acções;
  • Reunião com os colegas das escolas de Sintra para a divulgação das informações e construção do Plano de Acção.

Haja decoro Sra. Ministra, haja decoro

Como declaração de interesses devo dizer que não sou, nem nunca fui, membro de nenhum conselho executivo. Devo ainda dizer que, tirando uma ou outra honrosa excepção, a generalidade dos membros dos conselhos directivos e executivos que conheci ao longo de trinta anos de carreira docente costumavam comportar-se como meros serventuários do poder, com pouca autonomia para tomar decisões sem consultar um todo poderoso director de CAE, ou director regional.
No entanto, as últimas afirmações que os jornais atribuem à ministra da educação fazem-me tomar posição em defesa da verdade dos factos e contra a divisão que esta equipa está apostada em criar entre os professores e actuais órgãos dirigentes das escolas.

No Público on-line pode ler-se:

Professores fora da presidência do Conselho Geral a pedido dos conselhos executivos

Quanto à polémica em torno da exclusão dos professores da presidência do Conselho Geral, futuro órgão máximo das escolas, Maria de Lurdes Rodrigues afirma que essa decisão foi uma resposta aos pedidos dos conselhos executivos.

"Foi uma solicitação das escolas para que não haja duas caras e dois rostos a representar a escola na sua dimensão mais pedagógica", explicou.

De acordo com a responsável, o facto de um professor presidir ao Conselho Executivo e outro à Assembleia da Escola, o que acontece actualmente, "provoca situações de conflito e a impossibilidade de uma gestão quotidiana tranquila".


No entanto, não é essa a posição oficial que se conhece do Conselho de Escolas que foi, como se sabe, criado pelo Decreto-Regulamentar 32/2007.
De resto, o Conselho de Escolas foi criado pelo actual governo para funcionar como órgão consultivo do ME e para assegurar a adequada representação dos estabelecimentos de ensino da rede pública:

Artigo 2.o
Missão e atribuições
1—O CE tem por missão representar junto do Ministério da Educação, abreviadamente designado por ME, os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário e os respectivos agrupamentos, adiante designados por escolas, no tocante à definição das políticas pertinentes para estes níveis de ensino.
2—O CE prossegue as seguintes atribuições:
a) Assegurar a representação das escolas;
b) Participar na definição da política educativa para a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário;
c) Pronunciar-se sobre os projectos de diplomas legislativos e regulamentares directamente respeitantes à educação pré-escolar e aos ensinos básico e secundário;


No exercício legítimo da missão consignada na alínea c) do art. 2º do DR 32/2007, o Conselho de Escolas pronunciou-se sobre o Projecto de Decreto-Lei do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos
Básico e Secundário.
Na página 4 do seu parecer pode ler-se, sobre o assunto que é notícia no Público on-line,:

«No que ao Conselho Geral diz respeito, entende o Conselho das Escolas que não se compreende o afastamento dos docentes do exercício do cargo de presidente, caso fosse essa a decisão sufragada dos eleitores do Conselho Geral. Discordamos da justificação de que não devem ser os subordinados do Director (professores, funcionários não docentes e alunos, quando maiores) a
presidir a esse órgão, uma vez que ao presidente não estão outorgadas funções externas ou especiais. Dirige as reuniões do Conselho Geral e tem voto de qualidade. Entendemos que a subordinação hierárquica tanto se coloca ao Presidente do Conselho Geral como a todos os restantes professores, funcionários não docentes e alunos que o constituem. Nesse sentido,
consideramos que não deverão existir impedimentos à eleição como presidente do Conselho Geral de quaisquer membros que constituam esse órgão.»

Verificando-se que o órgão consultivo do ME que tem por missão representar as escolas, e que é constituído por 60 presidentes de conselhos executivos eleitos, emitiu um parecer em que se declara contra a proposta de afastar os professores da presidência do Conselho Geral. Verificando-se ainda que no seu parecer o CE discorda da argumentação aduzida pela sra. ministra, já anteriormente utilizada pelo sr. secretário de Estado Pedreira, só nos resta pedir a estes senhores que tenham algum decoro e não tomem os professores (e a generalidade dos portugueses) por tolos.
Ou então que desçam à terra e deixem de viver numa realidade alternativa, a partir da qual nos (des)governam

Ministra copia Pinóquio

Segundo se pode ler numa entrevista dada pela ministra da educação à agência Lusa e transcrita no Sol-online:

A ministra explicou que as escolas nunca puseram em prática um mecanismo que permitia que um só professor leccionasse um conjunto de disciplinas à mesma turma, como Matemática e Ciências ou Língua Portuguesa e Inglês, por exemplo, apesar de o currículo prever essa possibilidade.

«Na prática, o que acontece é que cada um dos espacinhos é preenchido por um professor e é isso que dá lugar à situação de os alunos do segundo ciclo conhecerem, por exemplo, 16 professores», criticou Maria de Lurdes Rodrigues.

Com esta frase assassina MLR fez duas coisas: mentiu com quantos dentes tem na boca e ao mesmo tempo acusou os Conselhos Executivos de não só prejudicarem os alunos, como também de desrespeitar profundamente os docentes que dirigem.
Passo a explicar.

A ministra mentiu, mesmo que tenha sido deliberadamente mal informada por quem tem o dever de a assessorar, porque mesmo que alguma escola neste país distribuísse cada uma das disciplinas e cada uma das áreas curriculares não disciplinares a um professor diferente, não seria possível nunca chegar a 16 professores:
Língua Portuguesa - prof. 1;
Inglês - prof. 2;
História e Geografia de Portugal - prof. 3;
Matemática - prof. 4;
Ciências da Natureza - prof. 5;
Educação Visual e Tecnológica - prof. 6 e prof. 7;
Educação Musical - prof. 8;
Educação Física - prof. 9;
Formação Cívica - prof. 10;
Estudo Acompanhado - prof. 11 e prof. 12;
Área de Projecto - prof. 13 e prof. 14;
EMRC (Moral) - prof. 15.
Infelizmente para a ministra não existe mais nenhuma disciplina no currículo nacional que justifique o número dezasseis.

Bem sei que para se ser ministro(a) da educação não é necessário conhecer a Escola Pública. Basta ter a confiança pessoal e política do 1º ministro. No entanto, penso que seria de bom tom que os responsáveis políticos se informassem sobre o que dizem, sobretudo antes de concederem entrevistas exclusivas a órgãos de comunicação, para não puderem ser acusados de mentir ou de fazer figuras tristes.

Mas para além da impossibilidade já demonstrada, subsiste ainda a ideia velada de que os Conselhos Executivos (até agora tão "acarinhados" pelo ministério), são capazes de fazer o disparate de não gerir convenientemente os seus recursos humanos.
É que uma distribuição de serviço como a que a sra. ministra enuncia implicaria que houvesse professores com mais de uma dezena de turmas no seu horário lectivo. O que além de ser gravíssimo para os alunos, corresponderia a um esforço sobre-humano desses professores.

2008-02-11

Autonomia das Escolas

Numa altura em que arrancam os primeiros contratos de autonomia das escolas, a possibilidade de conhecer outras experiências de administração e gestão partilhada das escolas, numa lógica de regulação sócio-comunitária em que não existam terceiros excluídos, pode ser de grande importância para a Escola Pública.
Parece ser o caso das "charter schools", sobre o qual se irá realizar um encontro na Fundação Calouste Gulbenkian, na próxima sexta-feira dia 15, entre as 9h30 e as 12h30.
Pena é que o horário do encontro não seja compatível com o horário laboral dos professores que, como é o meu caso, gostariam de assistir para obter mais informação sobre o assunto.

Treinadores de bancada

António Barreto é uma das figuras do regime a quem a comunicação social recorre para produzir opinião sobre tudo e sobre nada. Claro que como ele há mais meia dúzia de "treinadores de bancada", que se arrogam o direito de dissertar sobre qualquer coisa, sem se darem ao trabalho de ler e investigar o que seja sobre os assuntos de que falam.
São as "abencerragens do senso comum" e à conta disso vão fazendo opinião.

Barreto tem uma coluna de opinião no Público. Como é natural tem que ocupá-la com textos que terão que possuir um determinado número de palavras, escrevendo sobre temas que em sua opinião e na do jornal sejam de interesse para os leitores. O que seria de esperar de alguém que acha que é uma voz respeitada e respeitável no panorama político e social português, era que não escrevesse de cor, usando um discurso que pode ser produzido por qualquer anónimo apenas por "ouvir dizer".
Infelizmente Barreto não pensa assim.

Na sua coluna de ontem, Barreto disserta sobre a gestão das escolas e sobre o que chama a reforma do regime de gestão. Barreto acha que o ministério da educação tomou uma boa medida ao aprovar e submeter a debate um decreto que pretende alterar o actual regime de gestão e administração das escolas.

De seguida, como forma de provar que a decisão foi boa e que o actual regime precisava de ser modificado, Barreto afirma que através das notícias percebeu que havia opiniões contrárias e que essas opiniões eram de professores, porque estão contra o facto de se acabar com a gestão colegial e porque o futuro Conselho Geral (de Administração) não poderá ser presidido por um docente.

Barreto não escreve uma linha sobre quais são as vantagens que vê na substituição de um órgão colegial por uma direcção unipessoal toda poderosa.
Nem se dá ao trabalho de explicar porque é que alguns membros de um órgão colectivo devem ficar impedidos de exercer a presidência do órgão, apenas pelo facto de serem os membros desse órgão com maiores qualificações académicas e científicas na área de actividade da organização.

Por outro lado, como o ensino não universitário é para Barreto um universo desconhecido há muitos anos, acha que desta vez é que a escola se irá abrir à comunidade através do tal Conselho Geral (de Administração). Com isso prova que nada sabe sobre o actual regime de gestão - DL 115-A/98 - e sobre a composição dos órgãos de gestão de topo aí consagrados: Assembleia de Escola e Conselho Pedagógico, nos quais têm direito de assento os pais e autarquia.
Direito que normalmente não exercem, faltando a um grande número de reuniões desses órgãos.

De resto, bastaria que Barreto se tivesse dado ao trabalho de consultar alguns estudos académicos sobre Administração Escolar e Educacional. Ou que tivesse lido os últimos relatórios de avaliação produzidos pela IGE, através dos quais ficaria a saber que a retórica usada no preâmbulo da proposta de decreto não tem a menor fundamentação teórica.

Mas o texto de Barreto não é tão inocente como pode parecer à primeira vista. De uma forma subliminar, Barreto deixa subentendida a vantagem que em sua opinião existe do ensino privado sobre o ensino público: os pais são bem recebidos na escola privada e são mal recebidos na escola pública.

Para um sociólogo, produzir tal afirmação não pode ser levado à conta da leviandade com que se admite que alguém escreva um texto, apenas para preencher uma coluna de jornal. Esta afirmação além de falsa é extremamente cínica. Não existe nenhuma evidência de que os pais que colocam os seus filhos no ensino privado sejam mais bem recebidos no colégio do que os que recorrem à escola pública. O que existe é um sentimento de poder desses pais, que lhes advém do facto de poderem comprar o lugar em que os filhos estudam.

Um sociólogo, como Barreto assina o seu artigo, deve saber que não pode comparar o pai da classe média alta (que sai de casa à hora que tem que levar o filho ao colégio para depois seguir no seu automóvel topo de gama até ao gabinete com telefone e ar condicionado), com o pai servente da construção civil (que sai da casa quando os filhos ainda dormem e regressa a casa já noite cerrada).
Como é que Barreto se atreve a afirmar que este segundo pai é mal recebido na escola?
De que é que fala Barreto?
Porque fala Barreto?

2008-02-10

Professores em Luta

Realizou-se ontem, dia 9 de Fevereiro, uma reunião nas Caldas da Rainha do movimento "Professores em Luta", cujo endereço web é: profsemluta@hotmail.com . Sem incorrer em entusiasmos excessivos, porque o movimento ainda está a dar os primeiros passos, pode no entanto dizer-se que a reunião foi muito bem sucedida. Antes de mais, pelo número de professores presentes: 88 colegas, trabalhando em escolas das mais diversas regiões do país, alguns vindo de bem longe: das Caldas, claro, mas também do Bombarral, de Óbidos, de Barcelos, de Famalicão, de Sintra, da Amadora, de Queluz, de Montelavar e da margem sul. Estiveram também colegas que constituíram, no norte, o Movimento dos Professores Revoltados, mostrando todo o interesse em convergir com esta iniciativa, o que é motivo de satisfação acrescida. No final foi aprovada, por unanimidade, a proposta que se pode ler mais abaixo.

A quem não esteve presente, apelamos a que compareça na reunião do dia 23 de Fevereiro. Não basta apoiar de longe, pois este movimento só irá para a frente com a participação e o envolvimento directo de todos. Lembra-se que não existe qualquer filiação partidária, nem a mais pequena agenda secreta. A associação que se irá formar não será um organismo fechado, centralista e com um programa acabado. Ela será o que todos quiserem que ela seja.


PROPOSTA

Considerando que estão a começar a surgir, em diferentes regiões do país, movimentos de professores dispostos a romper o marasmo e a estruturar a indignação dos docentes face à prepotência com que o Ministério da Educação tem querido impor políticas atentatórias da nossa dignidade profissional e da qualidade do ensino;

considerando que a emergência desses movimentos se justifica com a percepção generalizada de que os sindicatos não têm lutado, da forma mais consequente e eficaz, contra os ataques e abusos que esta equipa ministerial tem lançado sobre os professores;

considerando que a dispersão dos referidos movimentos exige uma plataforma nacional capaz de os articular, de lhes dar coerência e eficácia, sem com isso pôr em causa a autonomia e a especificidade das iniciativas locais;

considerando ainda que os professores não têm de aceitar a acusação de «corporativismo» sempre que se organizam para lutar pelos seus direitos profissionais, sobretudo quando esses direitos são indissociáveis da própria qualidade do ensino;

considerando, por fim, que a defesa da escola pública deve ser feita com todos os que nela estão envolvidos, mas que a mesma passa, acima de tudo, pela consciência do papel central que os professores desempenham no sistema educativo, e que por isso a sua profissão tem de ser dignificada, valorizada e reconhecida pelo poder político e pela sociedade civil;

propõe-se:

1. Realizar proximamente, no dia 23 de Fevereiro nas Caldas da Rainha, em local a anunciar, uma assembleia-geral na qual se deverão discutir e aprovar os estatutos, o programa de acção e os corpos dirigentes de uma associação nacional de professores cujo nome será decidido na referida assembleia;

2. Constituir duas comissões, uma para redigir os estatutos e o programa de acção referidos no ponto anterior, e a outra destinada à redacção de uma declaração de princípios que deverá nortear a filosofia da associação no que concerne às suas concepções sobre a política de ensino para Portugal.

Sem prejuízo da discussão a efectuar na assembleia-geral, será aberto um período de debate on-line, durante o qual todos os interessados poderão fazer sugestões para o programa de acção da futura associação. Por sua vez, os textos elaborados pelas comissões acima mencionadas circularão pelos endereços electrónicos dos colegas antes da realização da dita assembleia.

2008-02-08

Para quê a Autonomia na Escola Pública

Ao confrontarem-se com problemas específicos, os actores poderão vir a alterar as suas prioridades e a desenvolver os planos de acção mais ajustados à situação.

(Fontoura, M., 2006, Do Projecto Educativo de Escola aos Projectos Curriculares. Porto Editora )

Um dos maiores desafios com que se confrontam as sociedades contemporâneas e, em particular, as organizações educativas que pretendem garantir o serviço público de educação, é uma adequada resposta à diversidade dos intervenientes e interessados na actividade organizacional.

O modelo centralista napoleónico, que garantia que em todos os liceus fossem ‘ensinadas’ as mesmas matérias, à mesma hora, a todos os alunos, já não pode continuar a existir pelo simples facto de que deixou de existir homogeneidade no seio do corpo discente.

A resposta à diversidade cada vez maior, quer por parte das crianças e jovens que acedem à escola, quer por parte dos restantes actores que se movimentam no seu interior, tem que atender a essa diversidade. Nesse sentido deveremos falar de respostas diversas, que partindo da identificação dos problemas concretos vividos por cada comunidade escolar, definam prioridades e desenvolvam os planos de acção que sejam considerados adequados à situação.

Este novo olhar sobre a escola pressupõe a existência de mudanças significativas no interior da organização e, em particular, na forma como os professores e as lideranças escolares se posicionam face à diversidade dos públicos que acedem à escola. O modelo de regulação burocrático-profissional, que desde sempre acompanhou o crescimento e a consolidação da escola pública de massas, não dá hoje resposta à diversidade de situações com que cada escola se defronta, uma vez que os problemas são específicos de cada contexto, de cada comunidade, não sendo possível reproduzir acriticamente as soluções encontradas noutros contextos, por outros actores.

É por isso que a mais recente produção legislativa, apesar de uma retórica autonómica, constitui um claro reforço do controlo central do ministério, seja através das direcções gerais, seja dos serviços desconcentrados. Isso não serve a Escola Pública uma vez que assenta numa visão redutora da diversidade e da forma como cada escola pode e deve actuar face à diversidade e à diferença. Pelo contrário, só através de uma autonomia conquistada através do Projecto Educativo próprio de cada organização escolar, será possível dar resposta à emergência de uma diversidade acrescida dos discentes, os quais não só se vão tornando mais diferentes uns dos outros, como assumem múltiplas identidades sobrepostas, como consequência da sua inclusão em grupos de pertença distintos (cultura, estilos de vida e de trabalho, ideologia, idade, raça, género ou orientação sexual, etc.)

É por isso que em vez de falar em lideranças fortes como faz o actual ME, devemos falar de lideranças estratégicas, lideranças distribuídas e lideranças partilhadas, que permitam realizar a "inclusão", considerada como um recurso, que permite o desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos no interior da organização.

Essa emergência de uma visão estratégica e partilhada da liderança só será possível através de formas de regulação sócio-comunitárias, as quais exigem que não haja excluídos na relações de poder e regulação da escola. Infelizmente esse não tem sido o entendimento da actual equipa governativa, que desde que erigiu em parceiro estratégico o poder parental, tem procurado retirar de cena os professores.

MOVIMENTO "Escola Pública pela Igualdade e Democracia"

LANÇAMENTO DO MOVIMENTO "ESCOLA PÚBLICA PELA IGUALDADE E DEMOCRACIA"COM DEBATE

"ESCOLA: PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA"E QUE DIZER DO MODELO DE GESTÃO DAS ESCOLAS PROPOSTO PELO GOVERNO?

SÁBADO, DIA 9 DE FEVEREIRO, 16H, ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL

(Rua da Misericórdia, nº95, Bairro Alto-Lisboa)

ORADORES CONFIRMADOS:

ANA BENAVENTE (Investigadora em Educação)
SÉRGIO NIZA
(Movimento Escola Moderna
)
LUIZA CORTESÃO (Professora Catedrática jubilada da Universidade do Porto, Presidente da direcção do Instituto Paulo Freire)


O manifesto "Escola Pública pela Igualdade e democracia" já está online nesta morada:

http://www.PetitionOnline.com/mudar123/petition.html

2008-02-07

Também o Conselho Nacional de Educação chumbou a proposta de gestão do ME

Parecer do Conselho Nacional de Educação

«O CNE não concorda que se imponha que a presidência do Conselho Geral seja assumida por um não docente. Entendemos que deve ser o próprio órgão a decidir sobre quem assume a presidência e não o dispositivo legal a excluir os professores», afirmou o presidente do CNE.

Júlio Pedrosa falava hoje à Agência Lusa após o plenário do CNE, no qual foi aprovado o parecer relativo ao novo diploma sobre autonomia, gestão e administração escolar, cuja discussão pública termina sexta-feira.

O documento proposto pelo Governo generaliza a figura do director da escola, em detrimento dos actuais conselhos executivos, e cria o Conselho Geral, futuro órgão máximo de direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino.

Este órgão, com competência para escolher e destituir o director, não poderá ser presidido por um docente, apenas por um encarregado de educação, um elemento da autarquia ou um representante da comunidade local.

Segundo Júlio Pedrosa, ministro da Educação no segundo Governo de António Guterres, os membros do CNE concordam com a possibilidade de existir uma direcção unipessoal, mas consideram que «também devia ser deixado à consideração do Conselho Geral a opção por um Conselho Executivo».

No parecer hoje aprovado, que «deverá sofrer apenas alterações substanciais de redacção» antes de ser entregue ao Ministério da Educação, o CNE deixa ainda clara a sua discordância com o facto de o director tomar posse perante a respectiva Direcção Regional de Educação.

«Deveria tomar posse perante o órgão que o escolheu e elegeu, portanto o Conselho Geral», acrescentou.

Por outro lado, Júlio Pedrosa assegurou que o parecer do CNE vinca o seu acordo com o sentido geral de reforçar a autonomia das escolas e a participação dos membros mais próximos das escolas (pais, autarquias e comunidades locais), desde que nenhum membro «esteja em maioria».

«O parecer considera que há lugar e justificam-se intervenções no decreto-lei em vigor, contempladas por esta proposta, no sentido de reforço da autonomia e participação dos pais e comunidades locais», afirmou.

Por outro lado, acrescentou, considera ainda que tendo em conta «as dinâmicas já implantadas», como os contratos de autonomia e o novo sistema de avaliação, «deverão existir outras alterações num tempo oportuno».

aqui e aqui tinha referido que não me parecia bem que um membro do futuro CG não pudesse ser eleito presidente, apenas pelo facto de ser funcionário da escola (docente ou não docente). E na mesma altura me insurgi contra o facto de se aumentar a dependência hierárquica do futuro "director" perante a tutela, porque se prevê que a posse e a demissão sejam privilégio do director regional de educação.
Quanto a estes pontos, felizmente os conselheiros foram mais longe que os sindicalistas!




2008-02-06

IV Centenário - P.Antº Vieira

Neste tempo de vaidades "metro" e de autoridade "à la carte", talvez nos faça falta ouvir a voz autorizada de um português que ficou na História pela sua autoridade moral e não por ser "mais esperto" dos que os seus concidadãos:

«"...Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros. Tão alheia cousa, é, não só da razão, mas da mesma natureza, que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer!

E eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai, peixes, lá do mar para a terra... Para cá, para cá; para a Cidade é que haveis de olhar... Vedes vós todo aquele bulir... todo aquele andar... aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer calçadas... aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer, e como se hão-de comer.

Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o desgraçado a despedaçá-lo e comê-lo: comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os credores; comem-no os oficiais dos órfãos, e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; ... come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.

...Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, senão, declaradamente a sua plebe: Plebem meam, porque a plebe e os plebeus, que são os mais pequenos, os que menos podem e os que menos avultam na República, estes são os comidos. E não só diz, que os comem de qualquer modo, senão que os engolem e devoram.

... E de que modo os devoram e comem? Não como os outros comeres, senão como o pão. A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne, há dias de carne, e para o peixe, há dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses no ano; porém, pão é comer de todos os dias... e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo, nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que não os defraudem, em que os não comam, traguem e devorem:

.

Parece-vos bem isto, peixes?..."

.

Excertos "Sermão de Sto.António aos Peixes"

do Padre António Vieira»

2008-02-05

Escola Pública - clarificando conceitos

Numa altura em que parecem proliferar movimentos em defesa da Escola Pública, traduzindo-se essa "defesa" em tomadas de posição muitas vezes discordantes face às políticas públicas que vão sendo conhecidas, convém reflectir sobre o que entendemos por Escola Pública.
Comecemos então por convocar Almerindo Janela Afonso:
«No que diz respeito à reconfiguração ou ressignificação das cidadanias, há que ter em conta que a Escola e as políticas educativas nacionais foram muitas vezes instrumentos para ajudar a nivelar ou a unificar os indivíduos enquanto sujeitos jurídicos, criando uma igualdade meramente formal que serviu (e ainda continua a servir) para ocultar e legitimar a permanência de outras desigualdades (de classe, de raça, de género), revelando assim que a cidadania é historicamente um atributo político e cultural que pouco ou nada tem a ver com uma democracia substantiva ou com a democracia comprometida com a transformação social. No que diz respeito, mais especificamente, ao sistema educacional, faz aqui sentido convocar alguns adquiridos da sociologia (nomeadamente aqueles que derivam dos trabalhos de Pierre Bourdieu) porque eles nos lembram que a Escola se tornou um dos lugares centrais do exercício da violência simbólica – e é precisamente isso que está aqui em causa quando verificamos que a função de socialização (ou homogeneização) faz parte de um mais amplo processo de transmissão da cultura hegemónica e de inculcação de conhecimentos, valores e visões do mundo que, sendo embora considerado um arbitrário cultural, dissimula o seu carácter impositivo, ao levar a considerar como sendo do interesse de todos aquilo que, de facto, tende a coincidir sobretudo com interesses das classes dominantes, a que o Estado capitalista, neste caso, continua a ser particularmente permeável. Assim, num sentido mais amplo, a noção inicial de cidadania pode, do meu ponto de vista, ser também entendida, na sua génese histórica, como um dos produtos esperados do exercício legítimo da violência simbólica, isto é, pode ser vista como o resultado de uma imposição cultural e identitária, cuja eficácia social, política e económica resulta justamente do facto de dissimular a sua natureza arbitrária e violenta. É o reconhecimento da cidadania que nas sociedades capitalistas permite que os indivíduos possam ser tratados juridicamente como iguais e livres – o que, aliás, sendo uma condição necessária para o estabelecimento de relações mercantis e de exploração não se destina, obviamente, a resolver as verdadeiras e reais desigualdades sociais e económicas. Por isso, a noção de cidadania deve também ser discutida tendo em conta a natureza de classe do Estado e o papel que este tem vindo a desempenhar, nomeadamente nas sociedades capitalistas. Mais precisamente, a cidadania moderna, que se desenvolve igualmente ao longo dos séculos XVIII e XIX, está fortemente associada ao poder do Estado, na medida em que é este que a reconhece e garante.»

AFONSO, A.J. (2001), Reforma do Estado e Políticas Educacionais: Entre a Crise do Estado-Nação e a Emergência da Regulação Supranacional. Educação & Sociedade, ano XXII, no 75, Agosto/2001

Quando o Estado institui como parceiro (privilegiado, como pode depreender-se pela atribuição de subvenções significativas) uma agremiação de pais claramente conotada com uma visão classista da educação e do papel regulador desse mesmo Estado, princípios como a equidade, a igualdade de oportunidades e a defesa da diversidade (cultural, económica, de raça, credo e género) ficam seriamente prejudicados.
A apologia feita pelos órgãos directivos da Confap (a qual não representa senão uma ínfima parte dos pais da classe média, sendo completamente estranha para dezenas de milhar de pais imigrantes, operários, desempregados, etc.) de uma escola elitista, necessariamente dirigida de acordo com os respectivos interesses de classe, tem que ser entendida à luz da defesa de um interesse classista.
Compete aos professores, em particular àqueles que assumem em pleno a defesa de uma Escola ao serviço de todos e atenta à diversidade, denunciar o conluio entre os dirigentes da Confap e a política do governo Sócrates, que visa criar um sistema com duas escolas: uma escola do Estado para os coitadinhos e uma escola em parceria público-privado destinada às elites.
O que iremos assistir é a uma tentativa de desvio do financiamento público para escolas destinadas às elites, ao mesmo tempo que a "escola para o povo" (em que os alunos problemáticos filhos de imigrantes e das minorias étnicas serão "docilizados" e entretidos até atingirem a idade legal de entrada no mercado de trabalho), será cada vez mais sub-financiada.

Num mundo em que tudo parece decidido,
ainda há espaço
para o exercício de um pensamento cidadão