2007-12-30

A "Varinha Mágica"

O Diário Digital traz-nos hoje uma compilação do que, segundo o que a propaganda governamental, vai mudar na Educação em Portugal.
Como se ainda tivéssemos que acreditar que tudo muda por uma espécie de "passe de mágica".

Começando pela avaliação dos professores, a solução que o governo apresenta pode servir para cumprir metas orçamentais e impedir o acesso de muita gente a escalões mais elevados na carreira (com a consequente poupança em aumentos salariais). Agora acreditar que através um modelo burocratizado, que transforma uma profissão caracterizada pela horizontalidade das suas funções, numa hierarquia cujo conteúdo funcional apenas se reporta a questões de gestão do sistema e não aos aspectos do ensino/aprendizagem, é o mesmo que continuar a acreditar no Pai Natal. Enquanto a escola continuar a ser um espaço aos quadradinhos, com quadradinhos turmas colocados dentro de quadradinhos salas durante determinados quadradinhos tempo, nada na relação professor aluno poderá mudar significativamente. Sem esquecer que dentro do quadradinho tempo em que o professor está no quadradinho sala com cada quadradinho turma, as relações de poder aí existentes não são escrutináveis a partir do exterior.

De seguida, fazendo eco do discurso optimista do primeiro ministro Pinto de Sousa, fala-se de uma «escola do futuro» com um computador com ligação à Internet de banda larga, uma impressora e um videoprojector em cada sala de aula. Ao mesmo tempo que se omite a inexistência de mobiliário adequado, de que por exemplo, uma estante para livros, dossiers e dicionários fará com certeza parte. Mas nesta escola do futuro, cheia de tecnologias de nova geração, a comunicação escrita deve ser um parente menor, a menos que falemos de chat's, fóruns interactivos e comunicação via e-mail.
É claro que no meio desta propaganda se assume a literacia informática como um dado adquirido, tanto pelos professores como pelo alunos.

Já sobre as mudanças na gestão dos estabelecimentos de ensino (unidades organizacionais, como são referidas no novo discurso político), aos costume o DD diz nada. Até porque como estamos em pleno período de apreciação pública da proposta governamental, é imperioso que ninguém debata nada para que o diploma possa ser publicado tão rápido quanto possível. Mesmo que isso se venha a traduzir em maior centralização do controle administrativo das escolas, apesar da retórica autonómica que é utilizada.

2007-12-28

Públicos "vícios", Privadas "virtudes"

O Ministério da Saúde manda encerrar Serviços de Atendimento Permanente (SAP's) porque alegadamente não prestam um serviço público de qualidade. Com isto obriga os doentes (utentes/clientes) a deslocações longas e onerosas, até uma urgência que pode distar 100km e quase duas horas de viagem, para serem atendidos por um serviço médico com meios complementares de diagnóstico adequados.

As seguradoras, e os bancos seus proprietários, vão instalando Serviços de Atendimento Permanente onde os pacientes (utentes/clientes) podem aceder aos cuidados médicos (incluindo meios complementares de diagnóstico), desde que sejam possuidores de um seguro.

E tudo a bem do orçamento (ou como do dizia o "outro": A Bem da Nação)

2007-12-27

Escola, Currículo e Língua Veicular

Na escola em que lecciono realizou-se uma avaliação diagnóstica dos alunos que têm o Português como língua não materna, com vista a determinar o seu nível de proficiência linguística em língua portuguesa nas competências de compreensão oral, leitura, produção oral e produção escrita.
Foram seleccionados para realizar esta avaliação diagnóstica todos os alunos estrangeiros e todos os alunos que, apesar de terem nacionalidade portuguesa, são descendentes de imigrantes, nomeadamente dos Palop's.

Na turma de que sou director realizaram a prova 16 (dezasseis) crianças. Destas, 13 (treze) foram inseridas no nível de proficiência A1, 2 (duas) no nível A2 e 1 (uma) no nível B1.

De acordo com o despacho 7/2006 estes níveis correspondem a "iniciação" e "intermédio". No caso do nível A1, o seu perfil linguístico pode ser descrito da seguinte forma: o aluno não consegue encontrar, num texto curto e simples, respostas a perguntas simples e objectivas; retirar de um texto a informação necessária à concretização de uma tarefa; elaborar um texto a partir do vocabulário dado.

Em função deste diagnóstico é possível perceber que num teste de Ciências da Natureza, à questão: «Indica o nome de uma ave que não voa» o aluno responda «O caracol»!
Efectivamente o Caracol não voa e o facto é que o aluno responde desta forma porque não é capaz de retirar do texto a informação relevante, que era a de indicar uma ave e não um qualquer animal.

Nestas condições, sabendo-se que em inúmeras escolas a maior dificuldade que se coloca é ao nível do domínio da língua portuguesa, como é que se pode pensar que é possível leccionar um currículo nacional sem primeiro resolver o problema da língua veicular em que se exprime esse currículo?

2007-12-26

A "Crise" da Escola

Num auto-elogio a que já há muito estamos habituados, o Ministério da Educação (ME) está convencido que depois da aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente (ECD), a aprovação de um novo Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos
da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário será a pedra de toque que permitirá resolver a "Crise da Escola".

No entanto, tanto o ME como a generalidade dos comentadores que têm acesso aos órgãos de informação não são capazes de esclarecer a que «Escola» se referem.
Porque a verdade é que quando falamos de «Escola», apesar de toda a gente pensar que nos referimos a uma mesma realidade, existem muitas «Escolas» diferentes.

Para quem apenas pensa a «Escola» pelos padrões que existiam antes da massificação do ensino, é urgente reconduzir as «unidades organizacionais educativas» ao caminho do "respeitinho" da "boa educação" e das "aprendizagens científicas".
O modelo de referência destas pessoas é o da escola que frequentaram quando crianças e jovens, que era uma escola frequentada por algumas elites sociais e da qual estavam excluídas a classes sociais menos influentes e com menor poder económico.

A "crise" de que falam, e que aflige toda esta gente, deriva do facto de que a «escola de elites» (o velho Liceu) não conseguir impor a reprodução de um modelo social, quando as suas portas se abrem para receber todas as crianças e não apenas as que são oriundas da classe média que aspira à mobilidade social ascendente.

Uma eventual solução para as dificuldades da escola pública passará sempre por entender e aceitar que não existe mais "uma Escola única", mas que o processo de educação, instrução e socialização das crianças e jovens passa pela possibilidade de adaptar escolas, currículos, programas e organização interna aos diferentes públicos que são servidos por cada escola. E isso não se compadece com a normalização que o ME e os respectivos Delegados Regionais continuarão a impor às "novas unidades organizacionais", se os directores de escola continuarem a depender hierarquicamente do DRE.

Autonomia vs Controle Desconcentrado

Quando olhamos com alguma atenção podemos descobrir coisas muito curiosas e engraçadas:

Num dia o governo propõe para as escolas públicas um modelo de administração e gestão que teoricamente as aproxima dos fundamentos da gestão privada -uma direcção executiva forte, dependente de um conselho geral "representante da sociedade" (conselho de administração).

No dia seguinte empenha-se em colocar gestores públicos (com cartão partidário em dia) a dirigir o maior banco privado português, utilizando para isso a influência que pode exercer sobre os accionistas individuais e/ou instituicionais.

Será que alguém acredita que nas escolas não irá também exercer todo o controle e influência, apesar de proclamar a intenção de dar autonomia e poder de decisão ao que agora baptizou de "unidades organizacionais educativas"?

2007-12-25

Autonomia mais que tutelada (II)

Imagine-se um Conselho Geral composto por 10 membros, sendo 40% professores (4), 10% funcionários (1), 30% encarregados de educação (3), 10% representantes da autarquia (1) e 10% representantes da comunidade (1).
Esta será a composição mínima que provavelmente se irá verificar em muitas “unidades organizacionais”.

O dr. "Fulano de Tal", entretanto nomeado por concurso público “Director”, passa a ter competência para avaliar, contratar e renovar os contratos dos professores e funcionários da dita “unidade organizacional”. Como também é ele que dirige o Conselho Pedagógico, escolhe e nomeia os coordenadores dos departamentos, elabora e apresenta ao CG os documentos estratégicos (Regulamento Interno, Projecto Educativo) e está presente nas reuniões do Conselho, só não será a “eminência parda” que controla 50% do órgão (professores e funcionários) e ao mesmo tempo manipula os restantes membros do CG, se não quiser ou for demasiado ingénuo.

Como em simultâneo a entidade a quem terá que prestar contas e apresentar resultados será o Director Regional de Educação, não restam dúvidas de que onde o governo diz «autonomia» nós devemos ler dependência e controle através de um delegado do governo nas escolas.
Sem que ao governo possa ser atribuída qualquer responsabilidade na “escolha” desse delegado.

2007-12-24

Autonomia mais que tutelada

O governo anunciou a discussão pública do novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino público não superior.
Que o actual modelo não correspondeu às expectativas, nem foi factor de resolução dos problemas e das entropias existentes no SE, é hoje um dado consensual, tanto entre os agentes educativos, como na sociedade portuguesa.
No entanto, a proposta colocada em discussão pelo governo Socretino é a maior mistificação que se pode fazer em torno da devolução do poder às escolas e à sociedade. Para além de conter alguns aspectos de duvidosa constitucionalidade.

Vejamos então, numa primeira e breve leitura, o motivo destas suspeitas:

No art. 3º a) é atribuída ao Conselho Geral (CG) a competência de eleger o seu presidente de entre os representantes das autarquias, dos pais e encarregados de educação ou da comunidade local. Ficam excluídos da possibilidade de exercer esse cargo, quer um representante dos professores, quer um representante do pessoal não docente, o que ofende claramente o princípio constitucional da igualdade perante a lei (art. 13º CR).

Não colhe o argumento de que o exercício do cargo por um docente poderia "diminuir a autoridade do director de escola sobre os professores", como alegou o Secretário de Estado, uma vez que a composição do CG não permitirá nunca que os docentes tenham a maioria absoluta, sendo sempre obrigados a negociar com os restantes membros todas as questões em votação.
Por outro lado, a atribuição da presidência de um órgão, no qual estarão sempre em minoria, aos pais, à autarquia ou aos representantes da comunidade, apenas serve para agradar a estas entidades, retirando-lhes margem de manobra nas críticas à política educativa do governo.

Na verdade, o que o governo pretende é criar um órgão que não consiga funcionar, porque a presidência terá que ser atribuída a um corpo eleitoral minoritário, o qual só conseguirá liderar o CG recorrendo permanentemente ao poder do órgão unipessoal - Director.
Curiosamente ou talvez não, o Director, apesar de nomeado pelo CG, tomará posse perante o Director Regional de Educação (art. 24º).
Ao mesmo tempo, embora o recrutamento do Director seja uma competência do CG, que poderá deliberar da sua recondução ou não, a entidade que tem poder para fazer cessar o seu mandato (a todo o momento) é o Director Regional (art. 25º).

Embora com um discurso "descentralizador" e "autonómico", a proposta do governo, sob o pretexto de um eventual ganho de eficácia, aponta claramente para a criação de um cargo de "delegado do governo" como gestor e administrador escolar.

2007-12-15

Pontos de Vista

Com o agradecimento à pessoa amiga que a enviou, reproduzo esta pérola que me chegou por e-mail:

Em Portugal, o poder de compra caiu de tal modo que até a classe média
está a sentir na pele essa queda.
No seu estilo inconfundível, o Bloco de Esquerda atacou o Governo com
o seguinte argumento:

- Temos a situação tão degradada com os valores éticos, sociais e
morais a ser postos quotidianamente em causa por este Governo, que até
universitárias estão a começar a prostituir-se.

A resposta de Sócrates não se fez esperar:

- Em primeiro lugar, este Governo não recebe lições de ética, nem
quaisquer outras, de ninguém; em segundo lugar e como é apanágio de V.
Ex.ª que já nos habituou à distorção sistemática da realidade, o que
acontece é exactamente o oposto: a situação é tão boa que até as
prostitutas já são universitárias

2007-12-08

Tá bem abelha...

O "presidente em exercício" da UE disse hoje na sessão de abertura da cimeira UE-África que, com esta reunião, se vai "inaugurar" uma época de cooperação económica entre os dois continentes.

Ontem, na sua chegada a Lisboa, o presidente Líbio Muamar Kadhafi afirmou que os países colonizadores ainda têm uma imensa dívida para com os países africanos.

Tanto um como outro, sendo mestres na demagogia, cantam bem mas não alegram...

Ao
"presidente em exercício" da UE convém recordar que a "cooperação económica" entre África e Europa tem séculos de história e nesse particular o presidente Líbio tem alguma razão, uma vez que essa "cooperação" foi sempre unilateralmente vantajosa para os países europeus.

Ao presidente Líbio Muamar Kadhafi convém, no entanto, recordar que faz parte de uma casta de africanos, que foram desde sempre os únicos beneficiários não europeus dessa cooperação económica, desdes os tempos do comércio de escravos, capturados e vendidos por africanos aos traficantes europeus, que depois exportavam gente como gado para a América e para a Europa.

A ambos é preciso recordar que o maior drama de África é exactamente a sua falta de população que impede o desenvolvimento económico. E se apesar de tudo a taxa de natalidade em África é elevada, o despovoamento do continente é uma evidência que precisa de ser combatida com políticas de saúde pública e de educação que permitam, por um lado aumentar a esperança de vida dos africanos e, por outro, gerar o desenvolvimento económico e social que torne desnecessário o recurso à emigração para outros continentes como forma de fugir à miséria e à fome.
Se a cimeira puder contribuir para se darem passos claros e inequívocos nestas duas áreas, ainda haverá alguma esperança e terá valido a pena.
Se, pelo contrário, tudo se resumir a negociar um conjunto de ajudas que contribuirão para o reforço de ditaduras e oligarquias africanas que beneficiem algumas empresas e estados europeus, melhor seria que tivessem ficado em casa!

2007-12-07

Angola xtá kuiá

Aí está a tão esperada e tão propagandeada cimeira UE-África.
Uns negócios e uns acordos, mais umas frases bonitas e umas quantas declarações de intenções e o povo que se dane.

Ontem na Cinemateca ante-estreou mais um documentário de Jorge António, o segundo de uma trilogia dedicada à música popular angolana: "Kuduro, Fogo no Museke». Uma figura incontornável não só neste documentário, mas sobretudo no actual panorama musical angolano e em particular no que ao Kuduro diz respeito é Dog Murras. Oiçam-no aqui: ConversaCoMannando , MeuPovo , Midexa , MinhaAngola ,
Num mundo em que tudo parece decidido,
ainda há espaço
para o exercício de um pensamento cidadão