2007-08-28

Preparando o regresso


Este verão deixa poucas saudades.
O tempo de praia andou de férias, o Sol esqueceu-se de brilhar de forma continua e persistente deixando-se esconder muitas vezes pelas nuvens e pelo vento, a água do mar não esteve tão tentadora e apetitosa como noutros anos... ou talvez seja esta tendência para acharmos que noutros anos é que era bom!

Enfim, o que interessa agora é que vem aí novo ano (este é outro dos 'privilégios' dos profissionais do ensino, vulgo professores: terem um Ano Novo em Janeiro, como qualquer outro mortal e terem mais um Novo Ano a cada Setembro, no regresso às aulas).
Mas como dizia, vem aí novo ano e o recomeço de um ciclo que virá por a nú muitas das insuficiências das políticas educativas, que esquecem que não se governa por decreto e que o voluntarismo dos dirigentes só pode dar fruto quando não é rejeitado pelos dirigidos.

Para a semana começaremos a ver de que forma se alteram as relações de trabalho nas escolas, entre os novos 'titulares' e a plebe, bem como veremos em que medida a autonomia decretada se consegue compatibilizar com uma autonomia que ainda não está construída e que tem enormes dificuldades em encontrar actores que queiram tornar-se protagonistas dessa construção.

2007-08-16

Reflexões em tempo de descanso

Duas notícias, aparentemente sem nenhuma ligação, servem para reflectir em tempo de férias
  1. Movimento «Regiões, Sim» recolhe assinaturas para referendo
  • O trabalho desenvolve-se ainda muito nos bastidores e, por isso, é praticamente invisível, mas, desde que foi constituído, a 26 de Abril, o Movimento «Regiões, Sim» vem alargando o seu núcleo de apoiantes, com o propósito que lhe deu origem: recolher 75 mil assinaturas, indispensáveis para apresentar na Assembleia da República uma proposta legislativa com vista à convocação de um referendo para a criação das regiões administrativas.
  1. O Tribunal Constitucional «chumbou» hoje o diploma que alterou as regras do sigilo bancário, dando razão a dúvidas manifestadas nesta matéria pelo Presidente da República, que suscitou a fiscalização preventiva do decreto.
  • As alterações que foram hoje declaradas inconstitucionais pelo colectivo de juízes do TC davam maior poder ao Fisco para levantar o sigilo bancário quando um contribuinte reclame de uma decisão da administração tributária.

As políticas públicas que os vários governos portugueses têm vindo a promover nos últimos anos (desde a famosa ideia de que somos "os bons alunos de Bruxelas"), têm agravado muito as relações entre os cidadãos e o Estado.

Tanto o PSD, como actualmente o PS, têm vindo a reduzir o peso e o tamanho do Estado nas políticas sociais, ao mesmo tempo que reforçam as políticas de controlo e regulação de toda a actividade dos indivíduos. Isso traduz-se em menor apoio às pessoas e maior policiamento e fiscalização da sociedade.

O que as notícias sobre a regionalização e o chumbo do diploma sobre o sigilo bancário nos mostram é que, apesar de não ser fácil, existem alternativas para os cidadãos conseguirem repor algum equilíbrio entre o seu poder e o dos governos, de forma a construir um Estado mais justo e que sirva melhor toda a gente.

Regionalizar, procedendo a uma efectiva descentralização dos poderes de decisão e de execução de políticas públicas é um caminho que os cidadãos devem impulsionar. Regular os processos de aplicação dessas políticas, em vez de policiar cada cidadão individualmente, deve ser o caminho a seguir pelos governos.

É por isso que estas notícias não deviam traduzir uma quase clandestinidade na actividade dos cidadãos que se organizam em defesa da regionalização, e muito menos a imagem de um governo e duma maioria que abusam do poder conjuntural que possuem, para perseguir cidadãos que exercem os seus direitos.

As Férias

Tempo de férias. "Estação do disparate".

Num curto intervalo, tempo para uma redacção em forma de balanço...

Eu gosto muito das férias. As férias são boas porque não temos que ler, ouvir ou ver as notícias que nos deprimem quotidianamente. Sobretudo quando conseguimos ficar longe dos jornais, da televisão e da Internet (que hoje acaba por se tornar demasiado intrusiva).

Neste intervalo entre dois "poisos" de férias, resta guardar as memórias de lugares de encanto, com gentes e costumes que exigem um regresso, tão breve quanto possível.
Sem cair no desespero de comparações com o quotidiano que nos recorda a "Ideia" do Jacinto do Eça: "o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado".

Ao mesmo tempo, como o Governo está de férias, de acordo com esta notícia, nem sequer temos que nos preocupar com a política que é decidida por entes que nos são estranhos.

2007-08-08

O Essencial e o Acessório

A técnica é velha e qualquer português que queira fugir às suas responsabilidades tem que a dominar na perfeição, sob pena de não ir muito longe: desviar a atenção do que é essencial, para que a audiência se fixe apenas no acessório, o que permite ao faltoso sair bem visto perante os "basbaques" e outra gente de boa fé.

Foi o que fez a Ministra da Educação, ao criticar uma pretensa falha do Sr. Provedor de Justiça, que segundo ela não teria usado os canais institucionais para fazer um conjunto de recomendações sobre o 1º concurso de Professores Titulares.
Ao afirmar que não tinha conhecimento oficial das críticas feitas pela Provedoria, alegando que apenas teria sabido do assunto pelos jornais, a Sra. Ministra tentou atirar com o odioso de uma actuação incorrecta para cima do Sr. Provedor, ao mesmo tempo que procurou branquear a sua actuação prepotente, injusta e politicamente inábil, que tinha sido alvo de censura.

Que qualquer criança apanhada em falta procure esconder o seu erro e para isso chegue a acusar inocentes, pode perdoar-se, mas não sem deixar de lhe chamar a atenção e exercer uma atitude pedagógica, com vista a eliminar esse tipo de comportamento.
Agora, quando são os responsáveis políticos a usar os truques das criancinhas, não só não é desculpável, como a única atitude pedagógica aceitável é exigir a retratação de tal atitude.

2007-08-06

Fugas de Informação?!

Pode ler-se nos jornais:
O Ministério da Educação (ME) adiantou hoje que tomou conhecimento do parecer do Provedor de Justiça que critica o concurso para professor titular através da comunicação social e remeteu para mais tarde eventuais comentários.
Aqui estamos perante mais um grave caso de "fuga de informação", uma vez que é pouco crível que o Sr. Provedor de Justiça tenha resolvido dar conhecimento dos seus pareceres ao Governo, usando a comunicação social em vez de usar os meios institucionais adequados.
Ou então o ME resolveu "desvalorizar" o forte raspanete que levou, fingindo não saber que foi claramente criticado pelo Sr. Provedor, por ter praticado um conjunto de actos que prejudicaram cidadãos que têm direito a um tratamento justo e isento por parte da Administração.
Sobre as injustiças e desigualdades provocadas pelo decreto que regulamentou o 1º concurso de professores titulares já muito foi escrito:
Pelos professores que em devido tempo de sentiram vítimas das injustiças e as denunciaram aos sindicatos, aos meios de comunicação social e nos mais variados fóruns, incluindo alguns sites de professores;
Pelas Federações Sindicais que se opuseram às diversas propostas de regulamentação do concurso e têm procurado diminuir as iniquidades criadas pela actuação ministerial;
Por alguns meios de comunicação social que deram voz aos protestos generalizados.
O que não foi suficientemente relevado em toda a acção governativa, foi que a criação de um júri em cada agrupamento de escolas, incumbido de realizar um "concurso local" de acordo com um regulamento nacional (mas que foi interpretado localmente pelas comissões de certificação e pelos júris de escola), introduziu ainda maior injustiça e desigualdade.
Esta desconcentração administrativa das competências normalmente atribuídas ao Departamento de Recursos Humanos do Ministério, ao mesmo tempo que desresponsabilizou a equipa dirigente do ME, permitiu que a incompetência e o "amiguismo" tivessem efeitos nefastos para milhares de professores.
Se o objectivo era revalorizar o centralismo burocrático, parece que o neo-conservadorismo deste governo acertou em cheio...

2007-08-02

Natalidade e subsídios

Passeando pelos blogues, encontrei uma blasfémia que me reencaminhou para uma engraçada polémica sobre os subsídios à natalidade recentemente propostos pelo governo.
António Figueira, co-autor do cinco dias, atira-se que nem gato a bofe a João Miranda a propósito de uma crónica assinada no DN, considerando como disparates cómicos as opiniões deste cronista sobre a política de natalidade anunciada por José Sócrates.
Como até António Figueira reconhece que toda a gente tem direito à opinião sobre a coisa pública, também eu resolvi correr o risco e escrever o que penso sobre o assunto:
  • As famílias de mais baixos rendimentos não precisam de subsídios para incentivar a natalidade, uma vez que é nessas famílias que se verifica existir um maior número de filhos. Precisarão de apoio económico e social que lhes permita não olharem para as suas crianças como "fonte de rendimento", ao mesmo tempo que precisarão de uma escola inclusiva que não contribua para a perpetuação da pobreza dos seus filhos;
  • As famílias de rendimentos médios, que estão excluídas do subsídio ou terão acesso a pouco mais que "migalhas", são as que não têm descendência, ou quando muito têm um filho. Possuindo rendimentos que lhes permitem sobreviver, o que estas famílias precisam para darem um contributo à retoma demográfica é de apoio social - creches, jardins de infância e horários laborais -, que lhes permitam cuidar dos filhos sem deixar de trabalhar, podendo manter o mesmo nível de rendimento e evitando que caiam na situação de pobreza do grupo anterior;
  • Finalmente, um passo decisivo que permitiria uma recuperação e crescimento rápido do número de portugueses, seria uma política de acesso à nacionalidade mais expedita, com políticas inclusivas relativamente aos cidadãos estrangeiros que procuram o nosso país para aqui trabalhar e criar os seus filhos. Olhemos para a França, habitualmente rotulada de chauvinista, mas que apresenta taxas de crescimento demográfico notáveis graças aos franceses do magreb e de leste. Será que desta vez podemos seguir um bom exemplo?

2007-08-01

O poder das hierarquias

Assisti ontem ao debate sobre o "caso Charrua", que se realizou na comissão de educação da Assembleia da República.
Das cerca de duas horas que durou a sessão poderão fazer-se diversas "leituras". Pessoalmente registei dois aspectos que me parecem ser os mais significativos:
  • A verdadeira "conversa de surdos", que estando estabelecida há muito tempo entre o governo/PS e a oposição, esteve presente em todas as intervenções, de ambos os lados da "barricada";
  • A singela explicação que a certa altura a ministra produziu (e que não foi explorada por nenhum deputado da oposição) de que, em defesa da administração, não é possível "tirar o tapete" aos dirigentes, mesmo quando se enganam e cometem erros.
Relativamente ao que chamo "conversa de surdos", ficou evidente desde o início que à oposição interessava explorar a contradição existente no despacho de arquivamento produzido pela ministra, enquanto que ao PS apenas interessava demonstrar que apesar de ser culpado, o prof. Charrua não teria sido punido "a benefício da liberdade de expressão". Em nenhum momento a ministra explicou os fundamentos para a medida de suspensão preventiva aplicada ao professor, ou os fundamentos que levaram à sua revogação, tal como em momento algum foi capaz de explicar os fundamentos para o pedido de fim da requisição coincidir temporalmente com a revogação da suspensão de funções.
De resto, nas intervenções feitas pelos quatro deputados do PS também não houve uma tentativa de explicar o que quer que fosse, limitando-se estes a tentar fazer passar a ideia de que se estava perante uma acção de diversão por parte de um partido "moribundo", e ignorando ostensivamente que todos os partidos da oposição expressavam as mesmas dúvidas e perplexidades que se colocam a toda a sociedade a propósito deste caso.
Em resultado disto, à pergunta sobre se é intenção do PS e do governo que os dirigentes da administração pública "eduquem" os comportamentos dos funcionários sob a sua tutela através de processos disciplinares, os questionados nada responderam, permitindo que o português médio pense que é o que se vai continuar a passar.

Quanto à afirmação da necessidade de defesa da hierarquia produzida pela ministra, não é de espantar ninguém. Num país com uma tradição altamente centralizadora, em que toda a gente desconfia do "caciquismo", "amiguismo" e outros "ismos" associados a sistemas descentralizados de exercício do poder (veja-se o resultado do referendo sobre a regionalização, ou o que o eleitor médio pensa da transferência de alguns serviços públicos para a tutela das autarquias), o modelo burocrático é fundamental para realizar as tarefas de governação.
O que é de espantar é que a ministra que há mais de dois anos anda a bradar contra a pretensa falta de qualidade do trabalho docente, não se incomode com a falta de qualidade dos dirigentes, desde que o respectivo lugar na cadeia hierárquica já os proteja da punição e da crítica pela prática de erros no exercício das suas funções.

Em conclusão parece ter ficado claro o seguinte:
  1. O processo disciplinar que foi aberto, tendo ou não (a ministra ontem falou na existência de dúvidas) motivações políticas, foi determinado por uma pessoa que exerce uma função política, que é a de gerir recursos numa direcção regional;
  2. Alegadamente o processo decorreu de forma correcta, de um ponto de vista processual/legal, tendo sido provada a culpa do arguido;
  3. O processo foi mandado arquivar, sem aplicação de uma pena material (mas com a aplicação de uma punição moral), por motivos de ponderação política;
  4. O arguido não pode, em sede de processo, recorrer da pena aplicada porque, por um lado não existe nenhuma pena material e pelo outro a condenação moral não é recorrível;
  5. Finalmente, tendo havido ponderação política no final do processo, prova-se que a responsável política pela gestão da direcção regional foi incompetente politicamente, ao não ter realizado essa ponderação em tempo útil, o que teria evitado todos os prejuízos políticos do caso. Estranha-se que essa incompetência não seja motivo de crítica pela parte da equipa dirigente do ministério, tão diligente nas críticas à falta de profissionalismo que encontra nos professores, esses sim o verdadeiro sustentáculo do sistema.
Num mundo em que tudo parece decidido,
ainda há espaço
para o exercício de um pensamento cidadão