2008-02-05

Escola Pública - clarificando conceitos

Numa altura em que parecem proliferar movimentos em defesa da Escola Pública, traduzindo-se essa "defesa" em tomadas de posição muitas vezes discordantes face às políticas públicas que vão sendo conhecidas, convém reflectir sobre o que entendemos por Escola Pública.
Comecemos então por convocar Almerindo Janela Afonso:
«No que diz respeito à reconfiguração ou ressignificação das cidadanias, há que ter em conta que a Escola e as políticas educativas nacionais foram muitas vezes instrumentos para ajudar a nivelar ou a unificar os indivíduos enquanto sujeitos jurídicos, criando uma igualdade meramente formal que serviu (e ainda continua a servir) para ocultar e legitimar a permanência de outras desigualdades (de classe, de raça, de género), revelando assim que a cidadania é historicamente um atributo político e cultural que pouco ou nada tem a ver com uma democracia substantiva ou com a democracia comprometida com a transformação social. No que diz respeito, mais especificamente, ao sistema educacional, faz aqui sentido convocar alguns adquiridos da sociologia (nomeadamente aqueles que derivam dos trabalhos de Pierre Bourdieu) porque eles nos lembram que a Escola se tornou um dos lugares centrais do exercício da violência simbólica – e é precisamente isso que está aqui em causa quando verificamos que a função de socialização (ou homogeneização) faz parte de um mais amplo processo de transmissão da cultura hegemónica e de inculcação de conhecimentos, valores e visões do mundo que, sendo embora considerado um arbitrário cultural, dissimula o seu carácter impositivo, ao levar a considerar como sendo do interesse de todos aquilo que, de facto, tende a coincidir sobretudo com interesses das classes dominantes, a que o Estado capitalista, neste caso, continua a ser particularmente permeável. Assim, num sentido mais amplo, a noção inicial de cidadania pode, do meu ponto de vista, ser também entendida, na sua génese histórica, como um dos produtos esperados do exercício legítimo da violência simbólica, isto é, pode ser vista como o resultado de uma imposição cultural e identitária, cuja eficácia social, política e económica resulta justamente do facto de dissimular a sua natureza arbitrária e violenta. É o reconhecimento da cidadania que nas sociedades capitalistas permite que os indivíduos possam ser tratados juridicamente como iguais e livres – o que, aliás, sendo uma condição necessária para o estabelecimento de relações mercantis e de exploração não se destina, obviamente, a resolver as verdadeiras e reais desigualdades sociais e económicas. Por isso, a noção de cidadania deve também ser discutida tendo em conta a natureza de classe do Estado e o papel que este tem vindo a desempenhar, nomeadamente nas sociedades capitalistas. Mais precisamente, a cidadania moderna, que se desenvolve igualmente ao longo dos séculos XVIII e XIX, está fortemente associada ao poder do Estado, na medida em que é este que a reconhece e garante.»

AFONSO, A.J. (2001), Reforma do Estado e Políticas Educacionais: Entre a Crise do Estado-Nação e a Emergência da Regulação Supranacional. Educação & Sociedade, ano XXII, no 75, Agosto/2001

Quando o Estado institui como parceiro (privilegiado, como pode depreender-se pela atribuição de subvenções significativas) uma agremiação de pais claramente conotada com uma visão classista da educação e do papel regulador desse mesmo Estado, princípios como a equidade, a igualdade de oportunidades e a defesa da diversidade (cultural, económica, de raça, credo e género) ficam seriamente prejudicados.
A apologia feita pelos órgãos directivos da Confap (a qual não representa senão uma ínfima parte dos pais da classe média, sendo completamente estranha para dezenas de milhar de pais imigrantes, operários, desempregados, etc.) de uma escola elitista, necessariamente dirigida de acordo com os respectivos interesses de classe, tem que ser entendida à luz da defesa de um interesse classista.
Compete aos professores, em particular àqueles que assumem em pleno a defesa de uma Escola ao serviço de todos e atenta à diversidade, denunciar o conluio entre os dirigentes da Confap e a política do governo Sócrates, que visa criar um sistema com duas escolas: uma escola do Estado para os coitadinhos e uma escola em parceria público-privado destinada às elites.
O que iremos assistir é a uma tentativa de desvio do financiamento público para escolas destinadas às elites, ao mesmo tempo que a "escola para o povo" (em que os alunos problemáticos filhos de imigrantes e das minorias étnicas serão "docilizados" e entretidos até atingirem a idade legal de entrada no mercado de trabalho), será cada vez mais sub-financiada.

1 comentário:

Anónimo disse...

Francisco, estou de acordo com a visão deste senhor.
Tenho desde há muito tempo essa visão.

Gostava que tu a explicasses ao nosso colectivo de pessoas inscritas na lista Escola Pública.

Espero encontrar-te, de novo, em breve!

Manuel Baptista
manuelbap@yahoo.com

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