2008-02-18

Direito à Indignação

Agora, que a poeira começa a assentar, parece ser tempo de olhar o que aconteceu no sábado à tarde no largo do Rato.

Segundo o relato dos jornais, perto de duas centenas de professores aguardaram que o primeiro ministro e a equipa ministerial da educação chegassem a uma reunião na sede do partido socialista, para lhes mostrar o seu desagrado e oposição em relação às políticas educativas do governo.
Ainda de acordo com os jornais, os presentes foram avisados através de sms's, não se conhecendo a origem da convocatória.
Entretanto, o primeiro ministro, manifestamente incomodado com o sucedido, reuniu à sua volta os jornalistas presentes para lhes manifestar repulsa pela manifestação. Aproveitou para acusar os manifestantes de serem militantes partidários, não se eximindo a afirmar que os conhecia muito bem.
Curiosamente, nenhum jornalista lhe perguntou como os conseguia identificar e com que fundamento afirmava que eram militantes partidários, não exigindo ao responsável do governo que assumisse o ónus da prova de tal afirmação.

Mas voltemos ao essencial da questão.

O partido socialista afirma que a reunião era um encontro partidário (dando a entender que não entendia que tivesse sido publicitada a sua realização) e que os manifestantes pretendiam condicionar a actividade política do partido.
No entanto, durante todo o dia de sexta feira a reunião foi anunciada pelos diversos órgãos de comunicação social e apresentada como uma tentativa do primeiro ministro tomar em mãos a direcção do processo de reformas na educação, em virtude das dificuldades que a equipa ministerial tem sentido. Fez-se mesmo um paralelo com o ocorrido há algumas semanas, no caso de Correia de Campos.
Estas notícias, provavelmente preparadas pelos "spin" governativos, destinavam-se a mostrar à opinião pública que o governo está atento e preocupado com a Educação. Como de resto se pode perceber pela sucessão de entrevistas que a ministra da educação foi concedendo ao longo da última semana e que culminou com a edição do Expresso da Meia Noite, anterior à dita "reunião partidária".
Isto demonstra que, ao contrário do que se quer fazer crer, a divulgação da reunião foi feita intencionalmente pelo partido socialista, procurando desse modo ganhos políticos e de imagem. O que é legítimo, mas explica naturalmente como é que todos os portugueses souberam da reunião.

O que correu mal, porque não estava nas previsões dos "spin" governativos, foi que entretanto no país muitos portugueses, entre os quais muitos professores, estão fartos de se sentirem mal representados, ou não representados de todo, pelas organizações que em democracia representativa se supõe que tenham essa missão. De tal forma que resolveram auto-organizar-se e dessa forma escaparam ao controlo de sindicatos e partidos.

Foi neste ponto que o partido socialista voltou a mostrar a sua natureza e o seu espírito pouco tolerante. O primeiro ministro e o porta voz socialista decidiram chamar uma série de nomes aos manifestantes, procurando negar-lhes o direito ao exercício da cidadania e o direito à indignação, afirmando não acreditar na convocatória espontânea.
Claro que se esqueceram convenientemente de como aplaudiram as manifestações espontâneas que em Madrid reuniram dezenas de milhar de manifestantes e levaram ao poder os seus confrades socialistas espanhóis. Talvez porque tenham dos portugueses a ideia de que se trata de um povo sem fibra.
Desta vez vão enganar-se redondamente.

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